Mês da mulher traz notícias de violência e desigualdade

A estimativa é que 21,4 milhões de brasileiras enfrentaram algum episódio violento

É março, mês da mulher, e as notícias são as piores possíveis. Ainda ontem, a Rede de Observatórios de Segurança informou que, por dia, 13 brasileiras sofreram algum tipo de violência no ano passado num dos nove estados pesquisados (RJ, SP, AM, BA, CE, MA, PA, PE e PI). A cada 17 horas, uma perdeu a vida em razão do gênero — ao todo, 531 feminicídios. Trata-se do desfecho mais dramático, por irreversível, numa sociedade em que a violência contra mulheres não arrefece. Pelo contrário, agrava-se.

O Datafolha, por encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foi às ruas, entre os dias 10 e 14 de fevereiro, investigar a vitimização feminina. É a expressão que intitula a pesquisa que entrevistou 2.007 mulheres e homens com 16 anos ou mais de idade sobre uma gama de atos de violência de gênero, da importunação sexual no transporte público a ofensas verbais, de perseguição a agressão física, de abuso a divulgação de fotos ou vídeos íntimos. Em 2024, quinta edição da pesquisa, não houve nenhuma modalidade sem aumento de incidência.

Cruzes colocadas na Praia de Copacabana no Dia Internacional da Mulher, em 2023, em protesto contra o feminicídio — Foto: Márcia Foletto

Significa dizer que, a despeito do arcabouço legal que criminaliza, pune e agrava penas de agressores, a violência de gênero é mazela que escala num Brasil — e num mundo — em que diversidade, respeito e inclusão tornaram-se inimigos a ser derrotados por um campo político, a extrema direita, cada vez mais fortalecido. O território livre da internet potencializa tudo; nas redes sociais, o ódio a mulheres grassa, a misoginia é naturalizada.

A brutalidade alcançou os maiores níveis já registrados na pesquisa: 37,5% das mulheres sofreram algum tipo de violência no ano anterior; em 2017, eram 28,6%. Cerca de um terço (31,4%) foi insultada, xingada ou humilhada; 16,1%, perseguidas ou amedrontadas. Levaram tapa, empurrão ou chute, 16,9%; foram espancadas ou sofreram tentativa de enforcamento, 7,8%.

A estimativa é que 21,4 milhões de brasileiras enfrentaram algum episódio violento; algumas mais de uma vez. É pouco mais que a população inteira de Minas Gerais; quase a soma de habitantes do Paraná e do Rio Grande do Sul; meio São Paulo; mais que Rio de Janeiro e Paraíba juntos. São importunadas em casa (57%), na rua (11,6%), pela internet (5%), na balada (3,3%), no trabalho (2,3%). Não há lugar seguro para meninas, jovens e adultas no país, como destacou Samira Bueno, diretora executiva do FBSP.

Há uma gama de ataques contra mulheres cis e trans igualmente gravíssimos. Marielle Franco foi vítima, há sete anos, de um feminicídio político. A violência política de gênero não poupou a única mulher eleita presidente do Brasil, Dilma Rousseff. Tampouco a única ministra da Saúde, Nísia Trindade, que denunciou a misoginia que sofreu nos 25 meses na função; ou a recém-nomeada ministra Gleisi Hoffmann. Cármen Lúcia é única entre 11 ministros do STF. Manuela D’Ávila e Áurea Carolina desistiram de disputar eleições. Maria do Rosário, Duda Salabert, Erika Hilton, Benny Briolly, Talíria Petrone, Renata Souza, Monica Benicio insistem. Em vários casos, à misoginia se juntam o racismo, a lesbofobia, a transfobia.

desigualdades que violentam mulheres diariamente: socioeconômicas, laborais, financeiras, ambientais. A inflação dos alimentos, terror da vez, vitimiza mulheres. São elas as chefes de família com maior número de crianças e menor renda. São elas a maioria dos titulares do Bolsa Família e, certamente, as mais vulneráveis à insegurança alimentar. Nesta semana, o Ministério do Desenvolvimento Social avisou que 1,3 milhão de lares, mesmo beneficiados pelo programa, não superaram a pobreza. Por isso podem ter dificuldade de adquirir comida em quantidade e qualidade necessárias.

As mulheres estão mais expostas ao desemprego (7,6%, ante 5,1% dos homens), às funções mal remuneradas. A elas são impostas as jornadas em dobro do trabalho na rua e dos afazeres domésticos e de cuidados com pessoas (crianças, idosos, maridos). Por tudo isso, políticas públicas, universais ou dirigidas, não prescindem do viés de gênero. Logo na introdução de “Iguais e diferentes — Uma jornada pela economia feminista” (Zahar), Regina Madalozzo alerta:

— Se na economia tradicional o “homem econômico” representaria qualquer indivíduo tomando decisões a respeito de alocação de horas de trabalho e lazer ou decidindo a melhor forma de usar seus recursos financeiros, a partir da ótica feminista, ser um homem ou ser uma mulher carrega diferentes fatores para a decisão em si. Tratar o “indivíduo econômico” sem entender as especificidades de gênero ou cor/raça é ignorar fatores sociais e até mesmo psicológicos que influenciam de maneiras diferentes as pessoas.

Anteontem, o governo publicou a medida provisória que instituiu o Crédito ao Trabalhador, modalidade de empréstimo consignado com garantia pelo FGTS e juros menores. O acesso a dinheiro com taxa menos escorchante é bem-vindo para quem deseja consumir, mas principalmente para quem, superendividado, precisa substituir o boleto caríssimo pelo menos caro. O projeto peca ao ser acessível apenas por aplicativo; deixa de fora uma legião de informais (38,8% da população ocupada). Mas beneficia empregados com carteira assinada, incluindo MEIs, trabalhadores rurais e domésticos. São esmagadoramente mulheres as empregadas domésticas.

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