“Aquele homem ali diz que mulheres têm que ser ajudadas para subir nas carruagens, e levantadas sob as valetas, e ter o melhor lugar onde seja. Ninguém nunca me ajuda a subir em carruagens, ou sobre lamaçais, ou me dá lugar melhor nenhum! Não sou eu uma mulher? Eu dei à luz treze crianças, e vi quase todas serem vendidas para escravização, e quando eu chorei meu pesar de mãe, ninguém além de Jesus me ouviu! Não sou eu uma mulher?”
Por Emanuelle Goes* para a Revista Afirmativa
(Sojourner Truth, 1851)**
Evocando o discurso de Sojourner de 1851, começo a minha reflexão sobre o que somos, alem de um saco preto arrastado no asfalto. Já se passaram dois anos e é como se nada tivesse acontecido, faz dois anos que Claudia Ferreira foi assassinada brutalmente, sendo arrastada como um saco preto sobre o asfalto.
Mulher negra será que é gente? Os direitos humanos são para nós? Toda vez que vejo a imagem de Claudia sendo arrastada como saco pelo carro da policia penso, por quanto tempo ainda vamos ser tratadas como bicho, objeto qualquer coisa desse tipo, menos como humana. E o discurso de Sojourner segue tão atual.
Quem são os humanos e não humanos, Maria Lugones (2014) reflete que os povos indígenas das Américas e os/as africanos/as escravizados/as eram classificados/as como espécies não humanas – como animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens. O homem europeu, burguês, colonial moderno tornou-se um sujeito/ agente, apto a decidir, para a vida pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual, cristão, um ser de mente e razão. A mulher europeia burguesa não era entendida como seu complemento, mas como alguém que reproduzia raça e capital por meio de sua pureza sexual, sua passividade, e por estar atada ao lar a serviço do homem branco europeu burguês.
Somos todas Claudia? Experimentar a negritude feminina é algo intransferível.
As vivências das mulheres negras nesta sociedade é estruturada pela raça, sim ela vem primeiro, porque somos o saco negro que chega. Qual o peso do racismo sobre nossos corpos e o atravessamento do machismo e do patriacarlismo em nossas vidas, essas opressões não são aditivas são multiplicativas, juntas agudizam o ser mulher negra na sociedade com pressupostos estruturantes como esses.
Patricia Hill Collins (1998) e Ochy Curiel (2014) me ajudam a pensar quando dizem que a chamada matriz de dominação envolve a compreensão de como o racismo interagem, a heterossexualidade, colonialismo e classismo, e integra quatro características: Elementos estruturais, tais como leis e políticas institucionais; aspectos disciplinares, como hierarquias burocráticas; elementos hegemônicos ou idéias e ideologias; e aspectos interpessoais, práticas discriminatórias comum na experiência cotidiana.
Evidenciando isso, o Mapa da Violência de 2015 mostrou que entre 2003 e 2013 as taxas de homicídio de brancas caíram de 3,6 para 3,2 por 100 mil – queda de 11,9% –, enquanto as taxas entre as mulheres e meninas negras cresceram de 4,5 para 5,4 por 100 mil, aumento de 19,5%. Esses dados demonstram que as mulheres negras não estão sendo atingidas pelas políticas publicas de enfrentamento a violência contra a mulher, ou seja, essas políticas não reconhecem a situação de vulnerabilidade vivida pelas mulheres negras que são incrementadas pelo racismo.
O olhar por meio do feminismo interseccional nos obriga a pensar, entender e agir desde esta perspectiva, em que não se trata de descrever que são mulheres negras, mas de entender porque são mulheres negras, que para alem de categoria analítica, são experiências vividas.
Referências
PATRICIA HILL COLLINS. “La política del pensamiento feminista negro”, en NAVARRO, Maryssa y Catherine
MARÍA LUGONES. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 22, n. 3, jan. 2015.
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