Herdeiras de um modelo colonial, escravocrata e patriarchal as universidades se sustentam sobre privilégios baseados na colonialidade do poder, nos diz Angela Figueiredo e Grosfochel (2009). Não é possível pensar assédio sem compreender a genealogia do controle dos corpos femininos e racializados, com raízes na escravização negra e expropriação de suas subjetividades e confinamento das mulheres brancas à esfera doméstica.
A violência de gênero, é estrutural pautada na proteção de assediadores e discutir assédio não deve se limitar aos discentes enquanto vítimas, perpassa técnicos, terceirizados e o próprio corpo docente.
Ao considerar as ações afirmativas, Paula Barreto (2015) diz ser fundamental ampliar o olhar para currículos e dinâmicas vivenciadas nas instituições. Dessa forma uma análise abrangente do espaço universitário, que considere a intersecção entre eixos de desigualdade como raça, classe e gênero.
Recentemente a professora Irma Santos, mulher negra aprovada por cotas em concurso da UFBA, cuja nomeação foi anulada por decisão judicial e reverteu sua conquista em favor de uma candidata da ampla concorrência, revela como o racismo institucional se infiltra nas brechas da legalidade para reafirmar a exclusão.
Segundo o Censo 2022 (IBGE) 55,5% da população brasileira se auto declara preta ou parda, em 2023 a Fiquem Sabendo revelou que apenas 21% dos professores universitários se auto declaram da mesma forma. E somente 2,9% destas pessoas se identifica como preta.
A pesquisa aponta um perfil docente significativamente branco em todas as universidades do país, excerto no Norte onde 43,3% se autodeclaram pardos, 37,7% brancos e 4,4% pretos, o que indica contratações excludentes e racialmente desiguais.
O silêncio das universidades sobre os mecanismos de poder que sustentam o assédio, pactuam com ele. Sueli Carneiro (2023) denuncia critérios que definem o saber, quem é digno de ensinar. A escassez de professores e lideranças educacionais negras pode afetar a construção de uma identidade positiva e a autoestima de discentes negros.
A não obrigatoriedade de disciplinas sobre raça e gênero não é um descuido pedagógico, é epistemicídio. A hegemonia dos teóricos nas ementas obrigatórias e a negação da história e do pensamento produzido a partir dos marginalizados é assédio?
O TCU afirma, 60% das universidades federais não possuem política institucional de combate ao assédio e mesmo entre as que têm, muitas não contemplam trabalhadores terceirizados e protocolos de gênero e raça.
Comissões de combate ao assédio como a que acaba de ser instituída na UFBA, no âmbito do FFCH e IPSS não são estruturas meramente administrativas. São conquistas políticas que respondem a uma dor coletiva. Espaço de escuta, acolhimento e responsabilização, mas também de formação e sobretudo de transformação institucional.
A experiência da UFSB, que aprovou uma resolução, e da FURG, que articulou pedagogia, prevenção e punição, são exemplos de que é possível estruturar ações interseccionais e eficazes. Uma comissão sem autonomia, recursos e poder real de atuação, se torna apenas uma instância burocrática que canaliza a dor para o esquecimento. É necessário que o Ministério da Educação e os Conselhos Universitários estabeleçam diretrizes nacionais obrigatórias que contemplem formação para toda a comunidade acadêmica sobre raça, gênero e assédio como forma de combate e prevenção.
A universidade precisa romper com o formalismo democrático que mantém a colonialidade do poder enquanto performa inclusão. Estamos diante de um ponto de inflexão histórico. Não basta defender a universidade pública. É preciso ser antirracista, antipatriarcal e justa em seus processos internos que seja capaz de proteger e acolher corpos que historicamente foram violados por sua omissão.
Que os corredores universitários se tornem espaços de transformação movidos pelo compromisso com a educação que emancipa sujeitos, enquanto entes pensantes. Com autonomia e direitos constituídos por lei.
Porque o silenciamento também é assédio e nós já gritamos demais para sermos ignorada.
Josy Azeviche – Mulher negra, ativista do movimento de mulheres negras, Mestranda no Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais UFBA, integra sua prática acadêmica e profissional com pesquisa em representatividade, comunicação e ativismo digital. Inspirada em Lélia Gonzalez reflete criticamente sobre o racismo e sexismo. Com um olhar transformador, articula narrativas que ressignificam espaços e constroem lutas coletivas, para um futuro menos desigual.
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