Partidos excluem negros de suas direções e patinam para mudar racismo estrutural

Mesmo legendas de esquerda, que costumam encampar esse discurso, têm poucas pessoas negras em cargos de comando

FONTEPor Tayguara Ribeiro, da Folha de S. Paulo
Foto: Heloise Hamada/G1

O debate sobre a importância de ampliar a participação de pessoas negras na política não é recente, tampouco é nova a constatação sobre a baixa representatividade nos cargos eletivos dessa parcela da população que é majoritária e forma 56% dos brasileiros.

Entretanto, para além de buscar mais candidaturas e de aumentar o número de eleitos, elevar a participação em outros espaços políticos também é fator decisivo no debate, na formulação de políticas públicas, no surgimento de novos líderes e na elaboração de leis.

Entre estes espaços estão os partidos políticos. Na maioria das legendas, entretanto, são ainda poucos os cargos relevantes que são ocupados por pessoas negras.

Antes mesmo da atuação de parlamentares ou de membros do Executivo, os partidos podem pautar o debate sobre as políticas públicas, já que as legendas escolhem os candidatos que irão concorrer nas eleições.

Eles possuem espaço na mídia, interlocução com os Poderes do país, elaboram os programas de governo nas eleições e orientam as bancadas durante votações no Congresso Nacional. Isso quer dizer na prática que pessoas negras não estão participando das definições destes temas.

“A partir do momento que o nosso sistema eleitoral não permite candidaturas avulsas, os partidos políticos têm o monopólio sobre as candidaturas”, diz a cientista política Nailah Neves Veleci.

Segundo ela, além dos vários critérios para elegibilidade, há também os de recrutamento de cada partido. “Quem tem o maior poder sobre a definição desses critérios e, principalmente, da estratégia de cada partido é quem está na direção das legendas.”

A especialista afirma que se essa direção não é diversificada “isso acaba dificultando muito o debate social dentro do partido, principalmente na realidade brasileira na qual a maioria da população é negra e a maioria das pessoas que utilizam os serviços públicos são pessoas negras”.

Alguns partidos afirmam que estão adotando cotas étnicas para ampliar a diversidade em suas direções. Entretanto, mesmo as legendas de esquerda, que costumam encampar essa pauta em seus discursos, possuem poucas pessoas negras em cargos de comando.

Para Janaína Oliveira, secretária nacional LGBT do PT, “os partidos em suas direções ainda não refletem a diversidade da sociedade brasileira e muitas vezes nem de sua militância”.

Segundo ela, a cultura política do Brasil é hegemonicamente branca e mesmo nos partidos de esquerda nos quais ocorre uma presença um pouco maior de pessoas negras existe uma pequena parcela de negros em cargos de direção.

Em conversa com o rapper Mano Brown, no podcast Mano a Mano, no mês de setembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi questionado sobre a ausência de diversidade.

Ao mesmo tempo em que admitiu o problema, o líder petista minimizou a responsabilidade das direções partidárias na promoção de mudanças e acabou atribuindo a questão à própria população negra.

O discurso de Lula, porém, ignorou as várias décadas de luta do movimento negro.

“A política era branca, a cultura era branca, as profissões mais eloquentes da sociedade, as profissões mais rentáveis eram brancas. A direção do PT tinha uma maioria branca e uma maioria de homens”, disse Lula.

“Há uma evolução política dos negros, tanto homens como mulheres, um grande número de gente está adquirindo consciência de que não basta ficar achando que é vítima. Resolveram ir à luta, resolveram brigar”, completou o ex-presidente.

Segundo Janaína Oliveira, é importante que exista uma mobilização interna nas legendas para se melhorar as possibilidades de implantação de políticas públicas relacionadas a participação política, econômica e social da população negra. “Mas o primeiro passo tem de ser dado [dentro] dos próprios partidos”.

No caso do PT, ela diz que a sigla adotou a proporcionalidade no financiamento de candidaturas negras “antes mesmo que entrasse em vigor resolução do TSE neste sentido”.

No PSOL, as direções são compostas por 30% de pessoas negras, incluindo a Executiva Nacional do partido, segundo dados informados pela legenda.

A sigla admite que existe dificuldade em aumentar a diversidade interna e “não nega que suas estruturas reproduzem o racismo presente na sociedade”.

O partido afirma, por outro lado, que é o mais aberto a fazer o debate sobre as questões raciais.

“É o PSOL que tem apresentado as iniciativas mais ambiciosas para promover a igualdade de raça e gênero nas instâncias partidárias e nas eleições”, diz nota do partido enviado a reportagem. O texto lembra que a bancada psolista na Câmara é única liderada por uma mulher negra.

Segundo a legenda, “essa complexidade de questões raciais não se resolve da noite para o dia”. O partido diz não estar pronto, mas que há um esforço “genuíno” em avançar.

Entretando a legenda já foi criticada publicamente por integrantes negros. Um desses casos foi o do historiador Douglas Belchior. Uma das principais lideranças do movimento negro, ele citou o racismo institucional como um dos motivos que o levaram a deixar o PSOL.

“É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri”, afirmou na época.

De acordo com Belchior, os problemas ocorreram sobretudo quando passou a questionar “a condeuta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do PSOL”.

O PC do B disse à reportagem que “não tem o registro desses dados oficialmente”, ao ser questionado sobre a participação de pessoas negras na direção partidária.

Outros partidos de esquerda, como PDT e PSB, não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a baixa presença de pessoas negras nos cargos mais relevantes.

Nailah Neves relembra que desde os anos 1990 essa discussão já existe e cita como exemplo a carta de saída do PT de Lélia Gonzalez. “Já se criticava a marginalização das pautas raciais nos partidos”.

Para ela, o constrangimento dos partidos diante desse cenário e a pressão no judiciário pra fiscalizar o financiamento de pessoas negras podem ajudar a ampliar a presença nos espaços internos.

No PSDB, em uma Executiva Nacional com 46 membros, apenas 5 são negros: o secretário-geral e deputado federal Beto Pereira (MS); o vice-presidente Roberto Pessoa, atual prefeito de Maracanaú (CE); as deputadas federais Rose Modesto (MS) e Mariana Carvalho (RO); e a presidente do Tucanafro, Gabriela Cruz.

Em nota, o partido afirmou que instituiu, há quase uma década, o Secretariado Nacional da Militância Negra (Tucanafro) e que por meio desse segmento a legenda promove debates sobre temas relacionados às questões étnico-raciais.

Segundo o texto, o Tucanafro também tem como objetivo ampliar a participação ativa do negro na política em todas as esferas do poder e estimular, apoiar e lançar candidaturas.

Apesar da dificuldade de ampliação de espaços internos relevantes dentro dos partidos, Nailah Neves avalia que existiram avanços no processo partidário.

“Mesmo sendo minoria nas direções, recebendo menos recursos do financiamento de campanha e sendo minoria nos cargos eletivos, esses atores políticos [militantes negros] conquistaram. [Isso] no país do mito da democracia, no país que negava a existência do racismo”.

Ela elenca como avanços a aprovação da lei de ensino da história negra, o Estatuto da Igualdade Racial, as cotas raciais nas universidades e nos concursos públicos e a proporcionalidade do financiamento.

A cientista considera que apenas o racismo explica porque os partidos não reconhecem a “potência” que lideranças negras têm e que foi capaz de gerar alguns avanços “diante de tanta adversidade”.

“Não há falta de pessoas negras nos partidos, falta reconhecimento e valorização do trabalho que fazem”, analisa.

Entre os partidos de centro-direita e direita, o Republicanos, afirma que oferece cursos de formação política o que contribuiria de forma para que as pessoas negras possam disputar as eleições em pé de igualdade.

“Sempre buscamos ampliar a participação de pessoas negras na política, direções partidárias e movimentos do partido”, diz a sigla.

Entretanto, existem apenas cinco pessoas negras que compõem a direção do partido como membros da executiva ou liderando alguma secretaria.

Em nota, o partido afirma que “entende que o racismo e o preconceito precisam ser enfrentados em todos os âmbitos sociais”.

O PL afirma que no partido não existe nenhuma distinção e que qualquer política de inclusão deve partir de políticas públicas “que garantam aos mais humildes a oportunidade da mobilidade social”.

Questionado sobre a baixa presença de pessoas negras na direção nacional do partido, o PL se limitou a responder que “os liberais não distinguem seus quadros pelo sexo, religião ou cor da pele”.

No Podemos, segundo o próprio partido, dos 20 membros da direção nacional da legenda, 7 são negros. A sigla diz que tem produzido vídeos institucionais para aumentar a presença e a participação de pessoas negras.

DEM e PSL, que se fundiram para formar o União Brasil, o Novo e o PTB não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a participação de pessoas negras nas direções partidárias.

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