“Quero deixar de ser exceção”, diz juíza negra; veja histórias

Eles tiveram de vencer condições socioeconômicas desfavoráveis, além de driblar o preconceito, mas foram adiante em suas convicções e prosperaram, ocupando cargos de destaque nas mais variadas áreas. Conheça sete histórias de superação.

Do Uol

Mylene Brasil, 51 anos, juíza

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“Nasci e cresci na periferia da zona sul de São Paulo e, até terminar o ensino médio, estudei em escolas públicas, com ensino bastante deficitário. Apesar disso, sempre me permiti sonhar com uma vida melhor e, acima de tudo, acreditar que poderia conseguir alcançar o que quisesse, desde que me preparasse para isso. Ingressei na carreira pública em 1990 e iniciei na magistratura no Tribunal Regional do Trabalho do Paraná, em 1994, após ser aprovada em concurso público. Enquanto alguns candidatos tinham condição financeira para deixarem seus trabalhos e estudar em tempo integral, eu não podia fazer isso. Dependia do meu emprego como técnica judiciária no Tribunal Regional Federal e, só após trabalhar o dia todo, é que conseguia estudar. Todos os meus finais de semana também eram dedicados aos estudos. Ainda hoje, chamo a atenção por onde ando, pois sou mulher e negra, em um ambiente conservador. Tudo o que desejo é deixar de ser a exceção um dia.”

Rachel Maia, 45, CEO da joalheria Pandora no Brasil

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“A América Latina é um lugar completamente machista. E os cargos de CEO e presidente são predominantemente ocupados por homens. Além disso, são apenas 120 anos de abolição da escravatura no país. Tive, tenho e sei que terei problemas por muito tempo ainda em relação ao preconceito, mas defini que o meu lugar é esse. Também sei que cada oportunidade vem acompanhada de responsabilidades e desafios, e estou disposta a aceitá-los. Decidi dar importância àquilo que soma e não àquilo que me coloca para baixo. Não significa que irei ignorar o preconceito, mas dar menos valor a ele. Muitas vezes, um olhar discriminatório basta para abalar a autoestima, por isso é preciso se preparar emocionalmente para lidar com esse tipo de abordagem e seguir adiante para alcançar o objetivo que traçou.”

Paulo Rangel, 54, desembargador e professor adjunto da UERJ

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“Fui porteiro de edifício e vendedor de loja de departamento até resolver prestar concurso para investigador da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Passei e logo depois decidi fazer direito. Eu me tornei promotor de Justiça e, na sequência, desembargador. Precisei estudar bastante e tive dificuldades financeiras para comprar livros e pagar inscrições em concursos. Antes de fazer a prova para promotor, lembro que um colega do trabalho me disse: ‘Neguinho, você não acha que está dando um passo maior do que as pernas?’. Ignorei o comentário e passei. Já fui parado por policiais na rua, por estar dirigindo carros caros. Vim da periferia, onde as oportunidades são pequenas e a pressão para você não chegar aonde quer é grande, mas venci tudo isso. Fui fazer curso de inglês com 32 anos, quando já era promotor de Justiça. A minha felicidade é que hoje minha filha de cinco anos pode estudar outro idioma.”

Douglas Santos, 38, gerente de TI da Bayer

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“Na minha trajetória profissional de 20 anos, passei por grandes empresas, mas, quando era jovem, minha mãe não tinha condições de pagar um curso de inglês para mim. Com muito esforço, ela conseguiu uma bolsa de estudos para eu aprender a língua e, hoje, tenho certeza de que foi isso que abriu muitas portas. A empresa em que trabalho há mais de seis anos tem um programa de diversidade bastante inclusivo e ativo, então, não tenho problema algum com o preconceito. Mas já aconteceu de, em um elevador, pedirem para eu apertar o quarto andar, confundindo-me com o ascensorista. Além disso, quando levo clientes para almoçar, os garçons nunca me entregam a conta. Algumas vezes, as pessoas perguntam por mim, para mim, sem acreditar que eu possa coordenar uma equipe de 30 pessoas, em uma grande empresa. Tudo o que fiz foi por acreditar em meu potencial.”

Ana Ribeiro, 47, chef no Le Canton, em Teresópolis (RJ)

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“Fui criada na casa onde minha mãe trabalhava como empregada doméstica e acabei ocupando o mesmo cargo que ela. Em 1987, saí de Minas Gerais e fui para o Rio de Janeiro fazer faculdade. Prestei três vestibulares e passei em todos, então, decidi cursar hotelaria. Para me manter, trabalhei como babá e vendi congelados, até conseguir uma oportunidade em um reconhecido restaurante carioca, onde fiquei por dez anos. Na sequência, consegui um estágio no Le Saint Honoré, restaurante de cozinha francesa do famoso chef Paul Bocuse, que funcionava em um hotel. Lá me chamaram para fazer parte do quadro de funcionários, mas o gerente não deixou, pois disse que era proibido mulheres trabalharem na cozinha. Quase um ano se passou e eu acabei sendo contratada como ‘sous chef’ [termo em francês para sub o chef], a primeira mulher no segundo maior cargo dentro do restaurante. Depois, ganhei um concurso entre os funcionários e passei 40 dias na França, onde trabalhei diretamente com Bocuse. Fui a primeira brasileira a conseguir isso. Hoje, coordeno uma equipe de 60 pessoas em um hotel em Teresópolis. Se ser mulher já é difícil, ser mulher negra é mais ainda. Se as outras tiveram de matar um leão por dia, eu tive de matar dois ou três para vencer.”

Adna Thaysa Marcial da Silva, 34, enfermeira do Hospital Sepaco, em São Paulo

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“Durante o ensino médio, era balconista de uma padaria e, com 17 anos, fiz o curso de auxiliar de enfermagem. Logo, iniciei minha carreira em um hospital. Nesse caminho, enfrentei muito preconceito. Uma pessoa do meu bairro, por exemplo, quando ficou sabendo que eu iria trabalhar em um hospital, perguntou se era como encarregada da limpeza. Porém, nunca me apeguei a esse tipo de coisa. Estou no mesmo hospital há oito anos e meio e, graças à política de preservar talentos, fui subindo de cargo. Claro que também continuei estudando, para chegar aonde estou hoje. Hoje, coordeno uma equipe de 80 funcionários, entre enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem, e tenho o respeito de todos.”

Geraldo Rufino, 57, fundador da empresa JR Diesel

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“Perdi minha mãe com sete anos, morávamos em uma favela em São Paulo. Comecei a trabalhar no aterro sanitário com oito, catando latinhas. Juntei um dinheiro e investi em um campo de futebol. Daí, comecei a cobrar para os outros usarem o espaço. Também cobrava para carregar as compras das pessoas na feira. Com 13 anos, comecei a trabalhar como office boy e, com 22, ocupava o cargo de diretor na mesma empresa, o Grupo Playcenter. Pouco tempo depois, consegui comprar dois caminhões para os meus irmãos, que sofreram um acidente quase que simultaneamente e perderam tudo. Resolvi vender as peças e tentar recuperar uma parte do que havia investido. Então, veio a ideia de montar uma empresa de reciclagem automotiva. Hoje, a empresa fatura 50 milhões por ano e temos cem funcionários. Sempre trabalhei acima de 12 horas por dia e continuei estudando. As portas se abriram por isso. Acho que o mais importante é o negro conhecer o próprio poder.”

 

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