Sejamos realistas, somente a educação não soluciona o racismo

O racismo desaparecerá quando não for mais lucrativo e psicologicamente útil. E quando isso acontecer, terá desaparecido. Mas no momento, as pessoas ganham muito dinheiro com isso

        − Toni Morrison

Às vezes ouço opiniões sobre o racismo que me incomodam bastante. Muitas pessoas têm a ideia de que os racistas são produtos da ausência de educação. Ignoram – por má-fé ou ignorância – que  o racismo acontece através dos comportamentos de pessoas iletradas e pessoas cultas. Aliás, o amplo espectro de simpatizantes do ex-presidente, Jair Bolsonaro, é bastante ilustrativo quando paramos para analisar os valores morais que subjaz essa adesão; ainda que não tenha sido reeleito nas eleições de 2022, é perturbador saber que 58 milhões de pessoas votaram nele.

Os defensores da educação precisam compreender que a mesma pode nos auxiliar  na luta antirracista, porém, torna-se infrutífera se não explicitarmos o conteúdo necessário para pavimentar uma convivência democrática e solidária entre as pessoas, independente do gênero, raça e classe. Não adianta citar  Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes, Anísio Teixeira, mas não  incluir Abdias do Nascimento, Eliane Cavalheiro, Lélia Gonzalez, Nilma Lino Gomes, Sueli Carneiro, Amílcar Cabral (uma das inspirações de Paulo Freire), entre outros pensadores negros. E mais, a educação nunca deixou de estar presente no modo de vida social. As relações sociais é um campo abundante na produção de saberes. Nós passamos a vida aprendendo e ensinando, exatamente como escreveu o intelectual Carlos Rodrigues Brandão “Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender-e-ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação. Com uma ou com várias: educação? Educações.”

E mesmo que o argumento seja direcionado a educação ofertada pelas instituições educacionais (ensino básico e ensino superior), considerá-la como elemento principal é resumir o racismo como problema moral e comportamental. O papel da educação na formação de subjetividades é valioso, não tenho dúvidas, mas a questão central na produção de violências e marginalização do povo negro está na organização do sistema político, econômico, social e jurídico, estruturado e reproduzido pelas instituições públicas e privadas.

O racismo é um braço do sistema capitalista. Não pode haver dúvidas quanto a isso. Os seus objetivos são alcançados através de uma sistemática aniquilação física e mental de jovens, homens e mulheres negros, em benefício das classes dominantes. Este sistema estreita a porta de saída da marginalização social, tornando impensável para maioria dos negros escaparem desta realidade; somos encarcerados por “atacado” nas penitenciárias, engrossamos a fila do desemprego e das atividades profissionais de baixa remuneração, moradias precárias e valas dos cemitérios são os espaços que mais estamos confinados involuntariamente. E como disse o professor Anani Dzidzienyo “não há disposições legais que obriguem ele – o negro – a permanecer em posição desvantajosa; de fato não há necessidade para isso porque as estruturas econômica, social e política do Brasil, por sua própria natureza, operam contra os interesses dos negros.” Por isso que a educação é insuficiente para sanar a tragédia em nossas vidas. Não embarquemos nessa ilusão e discurso simplista. A luta contra o racismo é muito mais complexa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, C. Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Abril Cultura; Brasiliense, 1985

NASCIMENTO, Abdias do. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Editora Perspectiva, 2016.


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