Superexploração do trabalho expressa racismo e machismo

Não foi à toa que esse governo, ao tomar posse, montou um ministério só de homens brancos e de meia idade

Por Dennis de Oliveira, da Carta Capital 

Foto: Ricardo Stucker

Pesquisa realizada pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) com as famílias da Ocupação Povo Sem Medo em São Bernardo do Campo demonstrou o perfil dos que costumeiramente são chamados de “vagabundos” pelos conservadores: 53,4% são mulheres; 61,6% negros; 78% recebem menos de um salário mínimo o que impede o pagamento de aluguel, prática desejada pela esmagadora maioria (69,3%).

Os dados estão no artigo do coordenador nacional do MTST, Guilherme Boulos, na edição 982 da Carta Capital. Enfim, as famílias que participam dessa ocupação são consequência de um modelo de capitalismo que permeia o Brasil desde os tempos de colonização: o capitalismo dependente, mas não na vertente de alguns pensadores do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) dos anos 1970, Fernando Henrique Cardoso à frente, mas de um brasileiro mais conhecido no exterior do que por aqui, Ruy Mauro Marini, o proponente da teoria marxista da dependência. Segundo Marini, o capitalismo dependente se caracteriza não por desequilíbrios comerciais, mas pela superexploração do trabalho, isto é, a remuneração do trabalho em valores inferiores às necessidades de reprodução da força de trabalho (leia-se, condições de sobrevivência).

O motivo é que a burguesia local, por optar em se associar de forma subalterna à grande burguesia transnacional, reparte com esta última a mais valia obtida na exploração do trabalho local. Este modelo de superexploração coloca limites à expansão do mercado de trabalho interno, dificulta a edificação de Estado de bem estar-social, constitui um modelo de desenvolvimento econômico e industrial que combina com concentração de renda e, nos tempos atuais, se radicaliza com as pressões pela desregulação e precarização do trabalho e fim dos direitos previdenciários.

É por isso que no Brasil, bandeiras que são perfeitamente factíveis em nações capitalistas avançadas são objeto de brutal repressão e taxadas de “coisa de comunista”, como programas de transferência de renda como o Bolsa Família (adotados em vários países europeus e em algumas cidades estadunidenses, como Nova York); salário mínimo suficiente para sobrevivência digna de uma família; reforma agrária; políticas agrícolas que favoreçam o pequeno produtor; sistema tributário progressivo e que taxa principalmente o patrimônio, entre outros. Deslocamento das lutas contra a superexploração. O conflito contra a exploração do capital dá-se no lugar da produção: a indústria.

A precarização do trabalho, no entanto, acentuada com a aprovação da reforma trabalhista, tem deslocado a percepção da superexploração para as condições aviltantes que os trabalhadores e a população sofrem, isto é, na ausência de condições dignas de vida, como a falta de moradia, de equipamentos públicos de qualidade de saúde e educação e outros direitos.

Isso tanto em função dos baixos salários recebidos como também na ausência do Estado que prioriza os compromissos com o capital rentista. A pobreza e a miserabilidade são produtos dessa estrutura de superexploração e as periferias os locais onde se percebe tais contextos de superexploração. Retomando o perfil dos participantes da Ocupação Povo sem Medo: coincidem com o perfil dos beneficiários dos programas sociais do governo, com os dos jovens que evadem do ensino médio e também das vítimas dos assassinatos praticados nas periferias.

O racismo e o machismo são mecanismos que legitimam esse processo de superexploração do trabalho, ao naturalizar tais condições por meio das ideologias que subalternizam com base em gênero e raça. É por isso que as lutas antirracistas, feministas, populares e classistas se complementam e não são antitéticas como alguns “esquerdistas” teimam em repisar. O desafio é construir um discurso de esquerda que articule estas dimensões que não são apenas de opressão, mas fundamentalmente de exploração. Pensar classe é pensar raça e gênero. E por isto não foi à toa que esse governo golpista, assim que tomou posse, montou um ministério só de homens brancos e de meia idade. Não foi um deslize e sim a manifestação cabal do perfil das forças que nos dominam, diametralmente opostas dos que desesperadamente buscam um teto para morar nas ocupações.

Sócio desde 2017

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