Uma negra na academia

Dia 30 de agosto de 2018, será um dia histórico para a literatura brasileira, em especial para a literatura negra brasileira e mais especialmente ainda para a literatura produzida pelas mulheres negras brasileiras. Neste dia, a Academia Brasileira de Letras escolherá o novo/a ocupante da cadeira de número sete daquela Academia, que possui como patrono o grande poeta Castro Alves.

Por Zulu Araujo, da Revista Raça 

(Foto: Joana Berwanger/Sul21)

Dentre os concorrentes, todos respeitáveis, está o nome de uma senhora que cultiva com seriedade, afinco e talento, a arte da palavra, como ela mesma gosta de ressaltar. Ela chama-se Maria Conceição Evaristo de Brito, reconhecida, merecidamente, como uma das escritoras brasileiras mais importante dos últimos tempos em nosso país. Esta senhora, poderá ser a primeira escritora negra a compartilhar o espaço da ABL, também criado por um negro, que por acaso, é também, o maior escritor de todos os tempos da literatura brasileira – Joaquim Maria Machado de Assis.

Conceição Evaristo, como é conhecida publicamente, cultiva um jeito meigo, simples e cativante, mas absolutamente firme e seguro, tanto nos seus belos textos quanto nas suas instigantes ideias. Vem se destacando no cenário literário brasileiro como um verdadeiro furacão, ao abordar temas delicados e dolorosos, como o racismo, a misoginia, a homofobia e a violência contra a população negra. Ela não tem dado sossego ao ar aristocrático, machista e eurocêntrico do cenário literário do nosso país, não deixando pedra sobre pedra, em seus livros ou palestras.

Através de textos refinados, profundos e cortantes, defende de forma cristalina a urgência da promoção da igualdade racial no Brasil, o protagonismo das mulheres negras e pobres, assim como o direito à cidadania plena para a maioria do nosso povo.  Como se diz no popular: tem colocado o dedo na ferida em um dos espaços mais sensíveis da elite brasileira – a literatura.

Sem papas na língua ela tem afirmado que o processo elitista e discriminatório do espaço literário brasileiro é um impeditivo ao florescimento pleno de uma literatura que expresse o talento, a criatividade e a vivência de parte significativa da sociedade brasileira, notadamente das mulheres negras. É o que ela vem conceituando de Escrevivências.  E o faz, com a percepção de quem viveu na própria pele os horrores e as dores, da exclusão, da invisibilidade e da perversidade em nossa sociedade tantas vezes descritos aqui mesmo nas paginas da Revista RAÇA.

Sua postulação para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, é muito mais que um simples reconhecimento ao seu talento literário. É na verdade um grito de alerta de que não podemos continuar ignorando a brilhante contribuição que escritoras como: Carolina Maria de Jesus, Ana Maria Gonçalves, Alzira Rufino ou da jovem Lívia Natália vem dando para a literatura brasileira e perpetuar a desigualdade e a exclusão como algo natural.

Não é por um acaso que a campanha pelo seu nome ganhou ares de verdadeira comoção na comunidade negra brasileira. Manifestos, homenagens, postagens e o desejo imenso de que Conceição Evaristo seja acolhida na ABL partem de todos os cantos do Brasil e não apenas dos circuitos fechados e ensimesmados da elite intelectual brasileira.

Por isto mesmo, digo e afirmo, que a Academia Brasileira de Letras, terá neste dia 30 de agosto, a chance de dizer para o país que está comprometida não apenas com o verniz do nosso passado, mas com o brilho da mudança do nosso presente. E esse brilho está nos olhos, na pele e nos textos de Conceição Evaristo.


Foto: Margarida Neide/ A Tarde

Zulu Araujo Foi Presidente da Fundação Palmares, atualmente é presidente da Fundação Pedro Calmon – Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.

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