Não é a primeira vez que jogadores negros sofrem esse tipo de racismo como aconteceu com Vinícius júnior, o ex jogador Samuel Eto’ de Camarões, Ronaldinho e muitos outros também passaram por isso.
Mas Vini provocou um terremoto na Espanha, de uma magnitude não vista antes por nenhum outro jogador com seu posicionamento mediante aos insultos racistas e insultos esses, diga-se de passagem que acontece diariamente fora dos estádios.
Os espanhóis não se consideram racistas, se fala muito, Espanha não é um país racista, aqui adoramos os “morenitos”! Os morenitos que se referem são os negros. Eu ouvi de uma vizinha, uma senhora espanhola, no prédio em que morava, que eu era uma “sudaca” (uma expressão depreciativa usada para se referir as pessoas da América do Sul) muito boazinha, que nem parecia “sudaca”. Estes são apenas alguns dos comentários que ouvimos diariamente e é surpreendente ver como aqueles que os transmitem, não são considerados racistas.
O que Vinicius fez foi afirmar que a Espanha é sim um país racista, apontar o dedo na cara dos espanhóis e dizer, vocês são racistas e não vou me calar com a sua atitude, racismo é crime e vocês vão ter que ser responsabilizados pelos seus atos, mas dizer como você é, dói, um brasileiro preto vitorioso dizendo aos espanhóis que eles sim são racistas e que a Espanha é um país racista.
A pauta racial é pouco discutida na Espanha, os espanhóis estão muito atrasados nessas discussões. A ideia de superioridade branca , que vem do pensamento colonialista foi colocada diariamente durante séculos nas mentes dos europeus e continuou como uma verdade inquestionável até os dias de hoje. O espanhol precisa se reafirmar como branco europeu por seu passado étnico, reforçar sua branquitude.
Os preconceitos sempre estiveram presentes na sociedade espanhola e, embora pareça que a trajetória migratória do país já deveria ter configurado uma normalização dos estrangeiros que eliminasse os obstáculos à sua inclusão, a verdade é que ainda estamos longe desse caminho. Sou imigrante neste país há quatro anos e não posso dizer que não fui bem acolhida, mas esse acolhimento tem um preço, que te lembram sempre em pequenos gestos, como a carteira de identidade que é diferente da dos espanhóis, como ser parada pela polícia de bicicleta, e não é nem numa blitz de carros, e simplesmente por ter cara de latina, sou filha de indígena e nordestina, então já da pra ter uma ideia de como sou vista. A xenofobia e o racismo são fortes na sociedade espanhola, mas bem dissimulada.
Ser chamado de “morenito” por ser negro, ser “sudaca” por ter origem latino-americana, ser questionado pela polícia por causa de suas feições árabes, são alguns exemplos de situações da discriminação que as pessoas sofrem no seu cotidiano.
O racismo hoje na Espanha está presente em âmbitos que nem pensamos, como por exemplo, o setor imobiliário. É um grande problema e existem publicidades de imobiliárias que ignoram a lei e dizem em seus anúncios que não alugam para negros ou árabes, mesmo que essa prática de anúncio seja considerada crime. Também acontece na saúde. Hoje a lei espanhola ampara qualquer pessoa independente da raça ou situação migratória, mas o racismo na saúde em algumas cidades também deixa desamparadas mulheres negras e menores.
No relatório anual sobre o racismo de 2022 o número de denúncias aumentou desde 2017 e o estudo concluiu que o grupo que mais sofre discriminação e violência racista é o povo cigano, seguido por pessoas do norte da África , afrodescendentes e latino americano. Porém é punido o negro quando atravessa as fronteiras europeias, é punido quando busca a vida na rua como vendedor ambulante, mas quase nunca é punido o branco quando pratica um ataque de racismo. A ascensão do racismo é consequência de sua normalização e impunidade aliada a um sistema onde a extrema direita ganha mais força cada dia.
Admitir que existe racismo não é atentado à pátria, é abrir uma reflexão de reparar uma realidade, e sobretudo é um ato de justiça para que não sofram, pois são muitos os que sofrem. E a Espanha precisava desse tapa na cara.
Vini conseguiu balançar o país. E se a sua denúncia conseguir ir além do que acontece nos estádios de futebol e transformar realidades, venceremos uma etapa na luta contra o racismo. Vinicius Júnior é força e realmente o seu brilho nos olhos é muito maior do que isso.
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