Caso Ágatha: inquérito da Polícia Civil aponta que PM causou morte da menina

Resultado da investigação será entregue nesta terça-feira à Justiça. Segundo relatos de testemunhas, cabo confundiu esquadria de janela que homem levava em motocicleta com arma e atirou

Por Rafael Nascimento de Souza, do  O Globo 

Policiais no Alemão, chegando para a reconstituição (Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo)

Partiu de um cabo da PM o disparo que, dois meses atrás, provocou a morte da estudante Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, no Complexo do Alemão. A informação consta do inquérito da Polícia Civil sobre o caso, que deve ser enviado nesta terça-feira à Justiça. De acordo com o documento, houve um “erro de execução”: o objetivo não era atingir a criança, mas dar um “tiro de advertência” para forçar a parada de dois homens que estavam numa motocicleta.

A dupla fugiu de uma blitz dentro do complexo. Em seguida, o PM, lotado na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro da Fazendinha, fez o disparo. Segundo relatos de testemunhas incluídos no inquérito, o cabo estava sob forte tensão devido à morte de um colega três dias antes, e, por isso, acabou confundindo uma esquadria de janela, que o homem sentado na garupa segurava, com uma arma.

A tragédia ocorreu no início da noite de 20 de setembro. Onze dias depois, o policial militar participou da reprodução simulada da morte de Ágatha, apesar de parte de seus colegas terem se recusado a fazê-la. De acordo com uma fonte ligada à investigação, “ele está muito mal e diz o tempo todo que que não queria ter acertado a menina”.

Perícia em fragmento
Um relatório do Instituto de Criminalista Carlos Éboli entregue à Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) apontou que um fragmento de projétil encontrado no corpo de Ágatha tinha ranhuras idênticas à do cano do fuzil usado pelo PM. Ainda de acordo com o laudo, a bala atingiu primeiramente um poste. Foi um estilhaço que provocou a morte da menina, perfurando suas costas e saindo pelo tórax. A criança chegou a ser levada para a Unidade de Pronto-atendimento do Morro do Alemão, de onde foi transferida para o Hospital estadual Getúlio Vargas, na Penha.

Nesta segunda-feira, o delegado Daniel Rosa, titular da DHC, não quis comentar o caso. Segundo ele, a Polícia Civil apresentará nesta terça o resultado completo da investigação.

Mais de 20 pessoas foram ouvidas no inquérito, incluindo os pais de Ágatha, o motorista da Kombi na qual ela estava com a mãe no momento em que foi atingida, outras testemunhas e PMs. A Polícia Civil não informou se o responsável pelo disparo será enquadrado em algum crime.

Além da DHC, a Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP) abriu um inquérito sobre o caso. A PM não informou se já há um resultado para essa investigação.

No último dia 5, Vanessa Francisco Sales, mãe de Ágatha, foi à DHC para cobrar respostas . Na ocasião, reclamou que não tinha acesso ao inquérito e pediu punição ao responsável pela tragédia.

— Não pode ficar impune. Não podemos ter, no Rio, mais Ágathas, outras crianças vítimas dessa violência, não podemos deixar que se apague o que aconteceu. A gente quer que seja feita justiça — disse Vanessa, que, desde a morte da filha, não conseguiu voltar para casa. — Não tenho condições psicológicas para isso. Ágatha era tudo naquela casa. Minha irmã e meu marido chegaram a ir, mas foi difícil para os dois. Eles choraram muito. Aquela casa era ela, há desenhos da minha filha na cozinha, mo banheiro, no quarto…

O advogado Rodrigo Mondego, que acompanhou a ida de Vanessa à DHC, quer que o autor do disparo seja indiciado por homicídio doloso.

 

Leia Também:

Ketellen de cinco anos morre baleada após troca de tiros em Realengo

A segunda morte da menina Ágatha

Com Ágatha foi-se a utopia da inclusão

De azul ou de rosa, crianças negras na linha de tiro do Estado genocida

Silêncio de Witzel sobre morte de Ágatha é covardia política

 

+ sobre o tema

Direitos Humanos para quem?

Na última sexta-feira, 26 de fevereiro, foi inaugurada, no...

Fotógrafo vítima de racismo procura OAB/RJ e tem caso revertido

Em 8 de dezembro de 2010, o fotógrafo Izaqueu...

Vulneráveis ao calor

A semana de calor recorde em pleno inverno jogou...

para lembrar

São Paulo teve 68 denúncias de racismo baseadas em lei estadual em um ano

Todas estão passando por investigação, mas ainda não houve...

Red Bulls paga aos adeptos para não insultarem jogadores

Major League Soccer quer limpar o futebol nos EUA...

Jovem baleado durante abordagem de militares na Maré tem a perna amputada

Vitor Santiago Borges, de 19 anos, baleado na madrugada...
spot_imgspot_img

Violência política mais que dobra na eleição de 2024

Foi surpreendente a votação obtida em São Paulo por um candidato a prefeito que explicitou a violência física em debates televisionados. Provocações que resultaram...

Carandiru impune é zombaria à Justiça

É um acinte contra qualquer noção de justiça que 74 agentes policiais condenados pelo massacre do Carandiru caminharão livres a partir de hoje. Justamente na efeméride de...

Doutorando negro da USP denuncia racismo em ponto do ônibus da universidade; testemunhas gravaram gesto racista

Um aluno de doutorado da Universidade de São Paulo (USP) denunciou ter sofrido racismo em um ponto de ônibus no Conjunto Residencial Universitário (CRUSP), na Cidade...
-+=