Classe Média mundial, não se assuste. Estamos em formação.

No mês da História Negra nos EUA, Beyoncé não poderia ter escolhido o melhor momento para o lançamento do ano. Formation, até agora com mais de 20 milhões de visualizações no youtube e críticas conservadoras nas redes, não só denunciou a violência policial contra o povo negro, mas também desenhou todo um histórico de resistência, orgulho black e empoderamento feminino.

por Driade Aguiar e Paula Moraes, da Mídia NINJA

Depois de sua apresentação no 50º SuperBowl — jogo do campeonato da principal liga de futebol americano -, Beyoncé recebeu enxurradas reacionárias quando apareceu com seu exército de mulheres negras, referenciando o partido dos Panteras Negras. Com o verdadeiro cinquentenário a ser comemorado mundialmente, o movimento lutou contra o racismo e a segregação e pela participação dos negros na política. De seus quadros, saíram ativistas e intelectuais negras icônicas, como Kathleen Cleaver e Angela Davis. Horas depois, não só o The National Alumni Association of the Black Panther Party agradeceu publicamente a homenagem, como também Ilyasah Shabazz, filha do Malcom X, disse amar completamente a citação clara a seu pai.

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Reprodução: Beyonce/YouTube

Negras poderosas com roupas coloniais, sentadas na casa grande, também irritaram a classe média e branca americana, que aparentemente descobriu apenas no último domingo que Beyoncé era negra. O pano de fundo de “Formation” é New Orleans, cidade do estado de Luisiana, com 1.235.650 habitantes. Foi/é cenário de torturas, humilhação e morte em vários períodos da sua história, desde as fazendas escravistas, passando pelo surgimento de grupos de extermínio como Ku Klux Klan, a segregação racial e a falta de assistência à população negra após o furacão Katrina, que arrasou, sobretudo, os mais pobres.

Mas o que realmente aconteceu em New Orleans?

New Orleans tem menos da metade população de Salvador, mas assim como ela é uma cidade tipicamente negra, conhecida como um dos berços da cultura de seu país, ponto turístico altamente rentável com centenas de festividades extremamente conhecidas. É Mardi Grass lá, é o carnaval do axé soteropolitano aqui. É de Salvador também que surgem movimentos estéticos e políticos interessantíssimos da cultura negra, uma geração de tombamento que Beyoncé saúda em seus quatro minutos e meio de música.

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E é de New Orleans que vem o termo “Créole”, para se referir aos filhos de imigrantes brancos e negros que vieram para a Luisiana (mulata anyone?). Queen Bee disputa o termo em meio a hashtags, pedindo boicote, alegando que seu conteúdo é ofensivo à polícia (!!!!!). Há textos que ainda dizem que essa música revela uma secreta e perigosa relação com o movimento Black Lives Matter (????).

Enquanto isso, vários casos recentes envolvendo a polícia americana vão retomando as redes. Como a morte de Michael Brown, que levou seis tiros de um policial branco, enquanto estava com as mãos levantadas ao voltar para a casa; Eric Garner, pai de seis filhos, que morreu asfixiado em uma detenção em New York, em 2014, suspeito de vender cigarros ilegalmente na rua; Tamir Rice, menino de 12 anos de Cleveland, em Ohio, foi morto com dois tiros ao usar uma arma de brinquedo em um parque. Não muito diferente do Brasil, onde um jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de ser morto, segundo relatório da Secretaria Nacional de Juventude da Presidência da República.

Empoderamento negro com os punhos cerrados ao alto marcam uma nova fase para Beyoncé, em que ela convoca as mulheres negras a se unirem com ação e ideias, contra a cultura que tenta inferiorizá-las.

(In)Formation sobre o quê?

Não é só de política e de segurança pública que estamos falando. Através de uma série de rimas, Beyoncé reafirma que ela é caipira, cafona, negra e RICA. E todos terão que lidar com ela e o extensivo figurino da Gucci e da Chanell, com o qual ela desfila no clipe, queiram ou não. É sobre estética, é sobre empoderamento cultural. É sobre Blue Ivy, sua filha, aparecendo com pose desafiadora no clipe depois de ter recebido críticas sobre seu blackpower, chegando ao extremo de um homem criar uma petição para que Ivy penteasse o cabelo. “I like my baby hair, with baby hair and afros!” (“Eu gosto do cabelo da minha filha, com cabelo de bebê e afros” — numa tradução livre).

É sobre igualdade Queer. A música simplesmente começa com Messy Mya, comediante, rapper e conhecido por sua voz icônica, cabelo vibrante e bem throwing shade. Messy era claramente afeminado, mas morreu num tiroteio saindo do chá de bebê da sua namorada, tendo anunciado orgulhosamente, horas antes, que em breve seria o pai de um garoto.

É sobre libertação de nossos corpos. É sobre mulheres tomarem seus lugares de lideranças sexuais, exigindo que devam mandar bem na cama, serem fodidas e foderem, sem romantizarem o ato. É também sobre educação. As meninas são chamadas para entrarem em formação, mas também para irem atrás da sua informação (Get in formation / Get information). São estimuladas a pegarem o que quiserem. E, se duvidam, o clipe também é dirigido por outra mulher: Melina Matsoukas.

Formation é uma dissertação, uma aula de história e origem, é um ato político, uma olhada no espelho — mas, acima de tudo, é uma música que vai tocar em TODOS os cantos do mundo, fazer mulheres brancas balançarem a bunda e obrigar homens em geral a ouvirem o que mulheres negras têm a dizer.

Beyoncé nos convoca a amarmos a nós mesmas, nosso cabelo, nosso nariz, nossa comida, nosso estilo de vida e, assim, amarmos umas às outras. De forma audaciosa, sexy e brigona. E, para além disso, Bey se coloca na linha de frente juntas de nós e de todas as outras antes de nós. E não tem mais choro, mundo. Nós estamos em formação.

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