Democracia é incompatível com o racismo

Neste 'aniversário' do golpe militar de 1964 parece oportuno destacar o impacto nocivo da ditadura sobre a vida dos negros deste país

O fortalecimento do sistema democrático implica necessariamente na representação e na defesa dos interesses do povo. Com base nessa premissa, a conclusão de que democracia racismo são sistemas incompatíveis deveria ser, além de óbvia, incontestável. No entanto, isso ainda não ocorreu.

Nos últimos dias, vários acontecimentos fizeram lembrar do livro “Significado do Protesto Negro” (1989), no qual o sociólogo e ex-deputado federal Florestan Fernandes (morto em 1995) afirma que “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil”.

Há, inclusive, uma resolução proposta pelo nosso país e aprovada por unanimidade pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU no sentido de formalizar a incompatibilidade “do racismo com a democracia, o Estado de Direito e a governança transparente e confiável”.

Movimentos sociais, sindicatos e torcidas organizadas fazem manifestação em defesa da democracia um dia após manifestação golpista em Brasília – Mathilde Missioneiro – 9.jan.23/Folhapress

Contudo, a perpetuação das desigualdades étnico-raciais mantém a maioria da população brasileira em situação de pobreza há séculos, coisa que na atualidade fere diretamente os interesses de 56% (pelo IBGE).

Neste “aniversário” do golpe militar de 1964 —marcado pela inédita transformação de um ex-presidente e de militares de alta patente em réus por tentativa de golpe de Estado— parece bastante oportuno e conveniente destacar o impacto nocivo da ditadura sobre a vida dos negros deste país.

Durante os chamados “anos de chumbo”, movimentos sociais que defendiam a pauta racial foram fortemente reprimidos, silenciados e criminalizados. Com base no mito da democracia racial, qualquer ação denunciando o racismo institucionalizado era enquadrada como ato de subversão e incitação ao ódio.

Para o bem de todos, cresce a consciência de que a democracia deve ser defendida e fortalecida. Contudo, o aumento exponencial do discurso do ódio, da intolerância e da violência com motivação étnico-racial preocupa cada vez mais. Afinal de contas, democracia e racismo são incompatíveis.


Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)

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