O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Geledés – Instituto da Mulher Negra, ONU Mulheres, Civil 20 (C20) e Women 20 (W20), ao lado de especialistas, iniciaram nesta segunda-feira (9) um debate sobre o papel fundamental de bancos e organizações financeiras no fomento à inclusão econômica da população afrodescendente, convocando-os para ações efetivas de promoção da igualdade e justiça étnico-racial. “Quando a gente fala em empoderamento econômico da população negra, não estamos falando de uma agenda identitária, apesar de muitas vezes ela aparecer aqui. Estamos falando de uma agenda de desenvolvimento, e essa agenda de desenvolvimento está colocada porque não tem aumento de produtividade, aumento de engajamento, se continuarmos discriminando no mercado de trabalho a população negra e as mulheres negras na base dessa pirâmide”, disse Luciana Mendes Santos Servo, presidenta do Ipea.
Marcelo Paixão, economista e professor doutor da Universidade do Texas (EUA), reforçou a ideia de se colocar em ação medidas práticas e estruturais para reverter a situação de disparidade. “Duvido que, em alguma universidade, seja na área econômica ou de negócios, falem sobre discriminação. Temos um problema com esses agentes do mercado financeiro que são formados, como eles pensam e qual é a estrutura da visão de mundo deles. Um ‘manualzinho de micro ou macroeconomia’ vai lhes dar um conjunto de informação que dirá que as variáveis gênero, raça e etnia não fazem parte de nenhum modelo. Mas sabemos que a informação é um processo central das decisões econômicas. Se estou inserido em uma sociedade discriminatória, obviamente essas visões preconcebidas que as pessoas têm sobre os outros, sejam quem forem, na tomada de decisões, estarão presentes”, afirmou o professor.
Sueli Carneiro, fundadora de Geledés – Instituto da Mulher Negra, e o economista Marcelo Paixão são autores do documento “Empoderamento econômico afrodescendente: superando desafios e abrindo novos caminhos” e, neste sentido, a fala da assessora internacional de Geledés – Instituto da Mulher Negra, Carolina Almeida, foi na mesma direção do discurso de Paixão, ao sublinhar a urgência de gênero e raça nas decisões econômicas. “Sueli Carneiro nos chama a atenção para a necessidade de um programa de desenvolvimento econômico voltado para a população afrodescendente como medida de reparação histórica. Ela afirma que o Brasil já promoveu políticas de mobilidade social para pessoas imigrantes europeias, financiadas pelo próprio Estado brasileiro. O mesmo esforço é urgentemente necessário para a população afrodescendente, 56% da população brasileira, e especialmente para nós, mulheres afrodescendentes, que representamos 28% da população brasileira, maior segmento populacional deste país”, disse.
Todos os painelistas enfatizaram a necessidade de levar adiante as recomendações dos grupos de engajamento do G20 e avançar em ações que produzam mudanças no acesso ao mercado de trabalho e nas políticas de crédito. Afinal, como sublinharam os painelistas, quando há políticas reais de promoção econômica dos afrodescendentes, todas as sociedades são impactadas para melhor.
Com pouco mais de dez anos de existência, o Civil 20, um dos grupos de engajamento do G20, também participou da mesa de abertura, com a coordenadora do secretariado do C20, Sara Branco. O grupo tem como base 2.300 organizações e adotou a equidade racial como tema central na agenda. “Países em desenvolvimento precisam ter modelos mais justos de financiamento, que não aumentem o endividamento e, ao invés disso, respondam às necessidades de reparações históricas e permitam o desenvolvimento sustentável e inclusivo”, explicou Sara, referindo-se a uma das recomendações produzidas pelo Grupo de Trabalho “Economias inclusivas e antirracistas”, inédito no âmbito do C20.
Esforços concretos foram salientados pelos participantes, a exemplo do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A elaboração de materiais pedagógicos para a promoção de uma educação antirracista, com revisão dos protocolos de saúde para o atendimento da população negra, além de projetos que enfatizam o aspecto afro-brasileiro no turismo, estão na seara da instituição financeira.
“Minha fala reflete o trabalho das equipes diversas que temos no BID e que, de alguma forma, estão atuando nos projetos e nas iniciativas que promovem a inclusão. É uma área que a gente abraça e que entendemos que é central. Então, a pauta da equidade racial se deve ao fato de entendermos que corrigir as distorções favorece a todos nós e a cidade como um todo. É muito eloquente a importância e a centralidade desse debate para o Brasil. Por isso, as políticas internas da nossa própria instituição se propõem a ser um instrumento para a inclusão e o empoderamento econômico”, afirmou Morgan Doyle, representante do banco no Brasil.
José Henriques Júnior, coordenador da trilha de finanças do G20 pelo Ministério da Fazenda, destacou como as pastas federais vêm atuando no debate, que se tornou mais evidente e prioritário dentro do governo. “Temos três ministérios e mais o Ipea, que vêm trabalhando em conjunto. Muitos países e organismos multilaterais não conseguem se conectar para poder transferir os recursos para quem precisa. A falta de representatividade nos bancos não traz um olhar específico para a população negra, então vemos muitos projetos que, às vezes, não têm um olhar criterioso para a questão racial”, relatou.
Na programação do evento, que segue até esta terça-feira (10), os representantes se organizam em grupos de trabalho, com o apoio de facilitadores. A partir de questões orientadoras, como ampliar a efetividade dos bancos de desenvolvimento em ações de empoderamento da população afrodescendente, os grupos vão se debruçar em torno de três temas: políticas públicas para empoderamento econômico da população afrodescendente, empreendedorismo de mulheres negras, e construção de capacidades e agenda para projetos de empoderamento da população afrodescendente. Na sequência, serão elaboradas recomendações dos grupos, a serem levadas para a Cúpula do G20, em novembro.
Empoderamento das mulheres negras e a economia
No seminário, mediado pela presidenta do Ipea, questionou-se o papel das instituições financeiras nas discussões sobre o empoderamento econômico da população negra e em promover a inclusão e o desenvolvimento sustentável. Tereza Campello, diretora Socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), destacou o retorno do banco após um período de desmonte, enfatizando seu papel central no fomento à economia e no debate sobre o desenvolvimento estratégico do país. Ela ressaltou a necessidade de transformar a economia ao incluir a população negra, não apenas por justiça social, mas como uma condição essencial para o desenvolvimento sustentável do país.
“Pensar em inovação, pensar em industrialização, pensar em quais setores que poderiam puxar a diversificação da indústria no Brasil. Então, o BNDES sempre teve esse papel muito importante e ele se coloca hoje puxando a agenda de empoderamento da população afrodescendente para transformar a economia nesse mesmo papel”, afirmou Tereza.
Um dos exemplos de impacto nessa discussão foi o do Banco Africano de Desenvolvimento (BAD), representado pela pesquisadora-chefe de Parcerias, Políticas e Mobilização de Recursos, Cynthia Liliane Kamikazi. “O banco acredita que a África só pode alcançar o seu potencial através da importância de suas mulheres, mesmo sendo esse um grupo marginalizado na maior parte do continente. Acreditamos que a distribuição de poderes, recursos e regras mais equitativos entre mulheres e homens proporcionará um longo caminho para uma África inclusiva e próspera. Então, isso não pode ser alcançado se não incentivarmos o desenvolvimento econômico das mulheres africanas. O banco, reconhecendo as contribuições críticas das mulheres e o crescimento econômico, tem estabelecido sua estratégia de gênero. Nossas estratégias nos guiam a enxergar a igualdade de gênero como uma economia inteligente”, declarou.
As mulheres negras são as que sofrem um maior impacto pela falta de acesso ao crédito, como pontua Ana Fontes, chair do W20, grupo de engajamento do G20, composto por mulheres do empreendedorismo e da sociedade civil. “Trago recomendações das gestões anteriores, porque ainda são recorrentes e necessárias. A primeira delas é para mulheres empreendedoras: melhorar a questão do acesso ao capital e o acesso ao mercado. A gente sabe o quão importante, para a mulher, é ter dinheiro na mesa, o quão importante é ela poder gerar o próprio recurso financeiro. Mas fazer isso sem apoio, sem estrutura, não é algo que a gente consiga”, diz ela.
“Um dos desafios enfrentados por pessoas em situação de pobreza, grupos da sociedade civil e universidades é a dificuldade em elaborar projetos para conseguir financiamento. Muitas vezes, esses grupos não possuem contas separadas para gerenciar os recursos recebidos. Essas barreiras impedem que indivíduos e organizações, que estão prontos para trabalhar e fazer a diferença, tenham acesso aos recursos necessários para seu desenvolvimento”, disse Barbara Reynolds, presidenta do Grupo de Trabalho de Especialistas sobre Afrodescendentes da ONU.
Ana Carolina Querino, representante interina da ONU Mulheres Brasil, destacou o caráter inovador de se colocar o tema do empoderamento das mulheres negras no centro das discussões sobre desenvolvimento. “Essa é uma inovação que vem junto com outras inovações, como a proposta brasileira feita para o ODS 18”, disse ela ao também reconhecer a força da temática no continente. “Essa discussão e mobilização que esperamos que seja não só dos países aqui da nossa região da América Latina, mas também dos países membros da ONU como um todo”, afirmou.
Participaram também, com cases e debates, Nikolay Bispo, da Feira Preta; Janaína Gama, representante do W20; e Viviane Vecchi Mendes Muller, secretária adjunta de Assuntos Internacionais e Desenvolvimento (Seaid/MPO). O seminário contou com o patrocínio de Ibirapitanga e Open Society e apoio do BNDES.