Nas últimas semanas temos visto uma série de debates e reflexões acerca dos dados de contaminação e óbitos, em decorrência do Covid-19, da população negra dos Estados Unidos. No Brasil, país extremamente racializado, e no qual a população negra além de ser a maioria (56%, de acordo com dados do IBGE) é também, a que mais sofre com a negação dos direitos, não se verifica notícias e discussões que incorporam a dimensão racial, como um elemento estrutural, para a compreensão dos casos de Covid-19.
Não há abordagens, pelos mais conhecidos meio de comunicação (jornais e programas de televisão), sobre a alta probalidade, de mulheres negras e homens negros, se tornarem as principais vítimas fatais do vírus também em nosso país.
Nesse momento, começam a surgir algumas reportagens e apontamentos acerca do aumento de óbitos na periferia, entretanto, não há referências sobre um fato importante: a periferia de São Paulo é o local de moradia da população pobre, mas também e especialmente da população negra.
Faixa de renda e porcentagem de residentes negros (as) por Prefeitura Regional
Antes de apresentar dados que nos ajude a refletir sobre essa questão. É necessário ressaltar que:
- A população negra não constitui, de acordo com o IBGE, a maioria dos habitantes da cidade de São Paulo, em 2010, 37% se autodeclarava como pretos e pardos (negros). Mas apesar disso, pode se tornar o grupo mais atingido pelo Covid-19 na cidade.
- Alguns dados já demonstram uma maior letalidade do vírus nas regiões periféricas, onde há maior concentração de pobres e negros, ou seja, não existe um equilíbrio entre número de contaminados e número de mortos.
- Por fim, não há, até o momento, uma divulgação transparente, pelo Poder Público, das informações sobre raça/cor das pessoas que faleceram em decorrência do Covid-19.
Entretanto, apesar da ausência desses dados, é possível, a partir da análise territorial, refletir sobre como, negras e negros, moradores da periferia, estão sendo atingidos pela pandemia do Coronavírus.
No dia 13 de Abril, a Prefeitura divulgou dados de óbitos (confirmados e suspeitos) por Covid-19, desagregados para as 32 prefeituras regionais. Naquele momento, dentre as 16 regiões com mais de 40 óbitos, cinco possuíam uma alta concentração de moradores negros: Itaquera (60 óbitos), Frequesia do Ó/Brasilândia (55 óbitos), Capela do Socorro (42 óbitos), São Mateus (41 óbitos) e São Miguel (40 óbitos).
Nessa atualização foi possível constatar que, em quatros dias, houve um aumento de 60% do número de óbitos, passamos de 1.201 casos para 1.919.
Esse aumento, como demonstra o mapa abaixo, ocorreu principalmente nas regiões onde há uma grande presença da população negra. Assim, entre as 16 prefeituras regionais, cujo aumento do número de óbitos foi igual ou superior a 60%, onze (o que representa cerca de 70%) são territórios nos quais mais de 40% dos residentes são negros e negras.
Fonte: Elaborado pela autora a partir dos dados do Censo 2010 e de informações disponibilizadas pela PMSP.
Os dados demonstram uma tendência, em crescimento contínuo, de aumento de vítimas fatais por Covid-19, nas regiões periféricas e nas quais a maioria dos moradores são negros e negras.
Portanto, é necessário e urgente refletir seriamente sobre a dimensão racial da contaminaçao e dos óbitos pelo vírus. É fundamental que tenhamos acesso a informações transparentes e contínuas, sobre quem são e em quais territórios residem as principais vítimas dessa pandemia.
É a partir dessas informações que o Poder Público deve agir, com o objetivo de garantir o direito à vida da população negra, pobre e periférica e preta. Só assim, será possível reverter e/ou mitigar o trágico quadro que se anuncia, no qual essa população figura como a principal vítima fatal do Covid-19.
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