João Cândido e o silêncio da escola

FONTEPor Ricardo Corrêa, enviado ao Portal Geledés
Imagem: Arquivo Nacional

João Cândido, o Almirante Negro, é um herói brasileiro. Nasceu no dia 24 de junho de 1880, Encruzilhada do Sul, Rio Grande do Sul. A sua história deve ser contada, e recontada, devido à importância que teve na luta pelos direitos humanos. Ele liderou dois mil e trezentos marinheiros contra os maus-tratos na Marinha, em 1910. A chibatada, naquela época, era uma prática comum dentro da instituição, remetendo as fazendas e senzalas como bem disse o historiador Álvaro Vieira do Nascimento “O uso da chibata era uma das punições mais cruéis e simbólicas, devido à similaridade com os castigos que recebiam os que haviam sido escravizados. Um dos marinheiros chegou a receber 500 chibatadas num único dia, em 1873.” 

 A insurgência dos marinheiros começou no dia 22 de novembro. Eles assumiram o controle dos navios de guerra, e ameaçaram bombardear a capital federal se as suas reivindicações não fossem atendidas. Exigiam a abolição dos castigos físicos, plano de carreira, melhores soldos etc. Em uma das mensagens ao presidente marechal Hermes da Fonseca, os marinheiros disseram “Pedimos a V. Exª. abolir a chibata e os demais bárbaros castigos pelo direito da nossa liberdade, a fim de que a Marinha brasileira seja uma Armada de cidadãos, e não uma fazenda de escravos que só têm dos seus senhores o direito de serem chicoteados”. O levante cessou no dia 26 de novembro, após o governo conceder anistia aos rebelados. As chibatadas também deixariam de ser praticadas. No entanto, os marinheiros foram surpreendidos no dia seguinte com um decreto que permitiu a expulsão dos envolvidos na luta. 

João Cândido ainda passou por inúmeras violações. Foi preso na solitária do Batalhão Naval, Ilha das Cobras, onde quase todos os companheiros que estavam com ele morreram. Depois o internaram com um suposto diagnóstico de loucura, e, posteriormente, o mandaram de volta ao presídio até ser expulso da Marinha, aos 32 anos de idade. Em 1969, diagnosticado com câncer de intestino, João Cândido morreu.

Confesso que passei doze anos estudando em escola pública, e somente ouvi falar na história do Almirante Negro quando frequentei o cursinho pré-vestibular, e militando pelo movimento negro. A primeira vista parece bastante estranho, mas, não podemos esquecer de que a escola é racista desde a sua gênese. O sistema educacional sempre negligenciou o protagonismo dos negros na luta pela dignidade humana, e as suas contribuições mais profundas na cultura nacional. Nós que estamos no enfrentamento em prol dos direitos da população negra, não podemos ignorar a necessidade de mudança radical na educação brasileira, pois como disse a antropóloga Lélia Gonzalez “Estamos cansados de saber que nem na escola nem nos livros onde mandam a gente estudar se fala da efetiva contribuição das classes populares, da mulher, do negro e do índio na nossa formação histórica e cultural.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Arias Neto, J. M. (2009). João Cândido 1910-1968: arqueologia de um depoimento sobre a Revolta dos Marinheiros. História Oral6

GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo-afro-latino-americano: ensaios, intervenções e diálogos. In: RIOS, Flávia; LIMA, Márcia (orgs.). Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

MOREL, Marco. João Cândido e a luta pelos direitos humanos. Livro fotobiográfico. Brasília: Fundação Banco do Brasil, 2008. v. 1.PASSOS, Eridan. João Cândido: o herói da ralé. São Paulo: Expressão Popular, 2008.


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