Negras Empoderadas lutam contra as “formas de escravidão modernas” do Brasil

Criada pela empresária e advogada Eliane Dias e pela Consulesa da França no Brasil, Alexandra Loras, grupo busca compartilhar ideias e experiências para combater o racismo e o machismo

Texto: Juca Guimarães para Ponte Jornalismo / Foto: Juca Guimarães

No Alma Preta

A união é o elemento principal para se vencer uma guerra e mudar os rumos da história, assim como o uso das armas certas. O compartilhamento de ideias e experiências também é fundamental para o fortalecimento de uma causa. Desse modo, uma nova história está sendo escrita por cinquenta mulheres independentes e bem-sucedidas que participam do grupo Negras Empoderadas, criado pela empresária Eliane Dias e pela consulesa da França no Brasil, Alexandra Loras.

Vivendo há três anos no Brasil, a consulesa francesa Alexandra percebeu o quanto o racismo e a falta de oportunidades impactam na vida das mulheres negras. Muitas vezes de forma velada, algumas vezes explícitas e violentas, as manifestações de menosprezo às mulheres negras no Brasil chocaram a diplomata, que decidiu criar um grupo de debates com mulheres negras bem sucedidas e formadoras de opinião para debater o assunto, denunciar atos de racismo e resgatar o orgulho negro.

O grupo foi batizado de Negras Empoderadas para não deixar dúvidas sobre a intenção de reunir e divulgar argumentos e informações que sirvam de contraponto para a narrativa eurocentrista e estereótipos comuns na sociedade.

“A geladeira foi inventada por um negro, o marcapasso também foi invetado por um negro, a antena parabólica e o telefone celular também, muitas coisas importantes e de alta tecnologia foram inventadas por negros.Temos que compartilhar essas informações com as nossas crianças. Porque a ausência, na mídia, da nossa presença em cargos de liderança e de destaque, faz com que 85% das crianças negras com menos de cinco anos de idade identifiquem a boneca branca como linda e boazinha e a boneca negra como a feia e a má”, disse a consulesa Alexandra, durante o encontro do grupo no último sábado (5/3), realizado no Ylê Olá Omi Asé Opô Araká, terreiro de candomblé da Mãe Carmen e do Pai Karlitos, em Diadema, na região do ABCD.

“A nossa religião tem como raiz os nossos ancestrais africanos. Essa ancestralidade que carregamos com muito orgulho. Por outro lado, sofremos também preconceitos e perseguições. Justamente por isso, nós não discriminamos ninguém e apoiamos todas as lutas contra o racismo. Principalmente a dessas tão poderosas e inteligentes”, disse o Pai Karlinhos.

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Negras Empoderadas no Terreiro Ylê Olá Omi Asé Opô Araká

O grupo “Mulheres Empoderadas” foi criado em novembro, quando a consulesa conheceu a advogada e empresária Eliane Dias, presidente da produtora Boogie Naipe e mulher do rapper Mano Brown, dos Racionais MCs.

Eliane já atuava como conferencista e ativista em defesa das mulheres nas periferias por todo País. Juntas, elas foram convidando outras mulheres. “Discutimos todos os assuntos relacionados às mulheres negras. Temos advogadas, professoras, jornalistas, empresárias, todas contribuindo e dividindo experiências. Discutimos a questão da gravidez da jovem negra, a violência contra a mulher, a falta de referências para negros, os motivos que levam a mulher negra à criminalidade”, disse.

Umas das questões discutidas no grupo e que teve grande repercussão nas redes sociais foi a imagem da mulata como objeto sexual exótico na mídia durante o Carnaval. Pela primeira vez, o estereótipo foi questionado de forma contundente. Para Eliane, o surgimento de mais grupos como o dela, em defesa dos direitos das mulheres, está relacionado ao acesso à universidade. “Com o Prouni, mais mulheres negras estão fazendo faculdade, estão estudando, discutindo e se empoderando. A gente entra com uma cabeça na faculdade e sai com outra. A maioria dos estudantes calouros em universidades são mulheres, a maioria negra. Daqui a quatro anos, teremos uma geração ainda maior de mulheres negras e empoderadas”, concluiu.

Além da troca de experiências por conta dos ramos de atividade diferentes, o grupo também faz a ponte entre gerações na luta pelos direitos das mulheres. A mais nova do grupo é a Domênica, de 16 anos, filha da Eliane e do Mano Brown. Com o irmão Jorge, ela criou a sua própria marca de roupas, a Mue, e segue os passos da mãe como emrpresária bem-sucedida.

Por enquanto, o grupo “Negras Empoderadas” é fechado e novas participantes são convidadas por indicação de quem já está na lista. Não existe, porém, um número definido de participantes. O foco é a qualidade do conteúdo compartilhado e multiplicado.
Negras

Negras Empoderadas no terreiro Ylê Olá Omi Asé Opô Araká

Para a consulesa Alexandra, a luta contra o racismo terá resultados mais efetivos se for feita uma mudança comportamental coletiva, não apenas dos negros.

“De geração a geração fomos condicionados a achar que o homem era superior a mulher, que o homem branco era superior ao homem negro. E hoje sobrevive uma herança do passado. E eu falo com os brancos e com os negro, olha é muito importante tirar das costas do branco a mochila do passado, porque o branco de hoje não é responsável pelo o que aconteceu ontem. Seria o mesmo que pensar o alemão de hoje é responsável pelos atos nazistas do Hitler, não é? Mas, hoje, somos todos responsáveis para reequilibrar o mundo. Com compaixão e compartilhamento. Temos que entender que não é porque aconteceu a abolição da escravidão há 128 anos que tudo acabou. Existem formas de escravidão modernas no Brasil, que precisamos enxergar e combater”, disse.

Ela argumenta que a herança do racismo está no coração dos problemas de desenvolvimento do país.

“O Brasil é o décimo país mais poderoso do mundo, com o nono maior PIB do mundo, de R$ 66 mil por pessoa a cada ano e, ao mesmo tempo, 80% da população ganha menos de R$ 3 mil por família. É absurdo. Enquanto esta fatia de 80% da população não tiver uma infraestrutura com boas escolas, bom sistema de saúde. de transporte não teremos avanço. O problema do Brasil não é a corrupção apenas, na Europa também tem corrupção, talvez mais sofisticada, mas tem. O problema do Brasil é mesmo o racismo, muito mais do que a corrupção”, disse.

Como exemplo, ela citou que a empresa Google, há alguns anos, fez uma seleção para contratar estagiários negros e publicou anúncios na Universidade Zumbi dos Palmares, por entender que seria o local ideal para encontrar jovens universitários dispostos a concorrer às vagas. “Mas depois de um tempo, não receberam nenhum currículo. A autoestima dos jovens negros no Brasil está tão baixa que eles achavam que não teriam chances de entrar numa empresa como o Google, porque no Brasil as chances não aparecem assim”, disse.

Alexandra disse ainda que, antes de vir morar no Brasil, ela tinha referências diferentes do país. “O mundo tem uma imagem de país do carnaval, do acolhimento, do ‘Tudo joia’, mas eu vejo que também é o país com mais homicídios no mundo e em que 77% dos mortos em homicídios são negros, então existe um genocídio do povo negro sem igual em qualquer outro lugar”, disse.

Por outro lado, ela vê que existe um potencial muito grande para a luta contra o racismo no país e pela ancestralidade africana. Raízes que trazem na sua origem muita riqueza de conhecimentos, por exemplo, a matemática, o conceito de democracia, as técnicas de agricultura moderna surgiram na África, mas essa é uma verdade que tentam apagar para manter em baixa a autoestima do negro.

“O Brasil tem uma diferença muito importante em relação a outros países porque não foram formatados academicamente pelo eurocentrismo clássico, porque até 1930 não tinham universidades aqui, por isso a matriz africana permaneceu forte no Brasil. Nos EUA, só restou um pouco em Nova Orleans, com Carnaval e um pouco comida. No Haiti e na Jamaica, tem um pouco. Mas no resto do mundo, as raízes africanas foram apagadas”, disse.

 

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