O Ballet e o Racismo

É triste notar que, ainda no século XXI, um título como este seja tão atual. Mas é verdade.

Uma notícia recente (novembro do ano passado) chocou algumas pessoas. Precious é uma menina negra, americana, que acusa a principal academia russa de ballet de racismo.

Isto mesmo: o Ballet Bolshoi.

O Ballet e o Racismo

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“Não é surpresa que os padrões de beleza e treinamento do Ballet Bolshoi, uma das principais academias de dança no mundo, sejam extremamente rígidos. Mas a bailarina americana, Precious Adams, de 18 anos, que está terminando seu curso em Moscou, na Rússia, faz uma denúncia grave: dentro da escola, diversas vezes ela foi vítima de racismo e discriminação por ser negra. Em um episódio, uma professora chegou a lhe dizer: ‘Tente esfregar para tirar o tom negro’.” Um professor uma vez sugeriu que ela fizesse um tratamento de clareamento da pele.

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Precious, cujo nome significa exatamente Preciosa, foi excluída de várias apresentações do Bolshoi por causa da cor de sua pele, incluindo o espetáculo de aniversário de 240 anos da escola. O que é injusto, por ela ser tão boa quanto as outras bailarinas.

“Professores já tentaram me defender, mas se a voz mais poderosa diz que não está certo, que não parece certo, então não tem importância.” Diz Precious.

Ano que vem, ela pode ser a primeira bailarina afro-americana a se formar pela escola. Ela conseguiu uma bolsa aos 16 anos para estudar na academia russa, por méritos próprios.

O problema é que para uma bailarina ser uma boa profissional, suas performances são fundamentais para conseguir um emprego de bailarina no futuro. “Se eu só me apresentei no palco quatro vezes nos últimos três anos, isso não parece nada bom.” diz Precious.

Mas Precious não é a única a sofrer com o racismo, acima de sua performance.

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Mercedes Batista foi a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro e é considerada a maior precursora da dança afro-brasileira. Bailarina de formação erudita, apesar de fazer aulas com a companhia, poucas vezes foi escalada para uma apresentação. Em entrevistas e bibliografias sobre a artista, ela declara ter sofrido preconceito.

Ela se tornou célebre por causa de seu trabalho na dança afro-brasileira.

Este tipo de história é retratada no filme Center Stage, onde uma bailarina muito talentosa não consegue um papel importante no espetáculo por ser negra, apesar de sua técnica impecável. Mas, graças a uma das bailarinas (filha da diretora da escola) que, apesar de ser muito boa, percebeu que não queria seguir carreira e o fazia para agradar a mãe, de última hora passou para a colega o papel e o figurino. Todos só perceberam o fato no momento da dança, quando em lugar da bailarina branca, dança a bailarina negra, belamente.

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Apesar de não ser a história principal do filme, é uma crítica às grandes companhias de ballet, que ainda praticam este tipo de segregação.

Mas nem tudo é ruim. Existem histórias também de superação. É a história internacionalmente conhecida de Michaela DePrince.

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Michaela DePrince nasceu na Serra Leoa, país devastado pela guerra civil entre 1991 e 2002. Seu pai foi baleado e morto por rebeldes. Uma semana mais tarde, sua mãe morreu de fome. Ela foi levada para um orfanato. Por ela ter vitiligo, que produzia sardas brancas em seu pescoço, chamavam-na de filha do Diabo.

Uma outra menina, Mia, era sua companheira, porque também ficava na ala dos excluídos por ser canhota. Quando Mia foi adotada por um casal, Michaela também o foi, e as duas foram levadas juntas para Nova Jersey.

Michaela vivia com uma foto de uma bailarina sorridente, que encontrou numa revista, no orfanato. Um dia, mostrou a foto para sua mãe adotiva, e seus pais decidiram matriculá-la numa escola de dança na Filadélfia. Ela continuou seus estudos em dança em outra cidade, quando seus pais se mudaram, mas, ansiosa por um rigor maior, voltou para Filadélfia aos 13 anos, onde ficou sozinha por tempo integral na escola.

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Esse sonho não foi fácil, pois sofreu muito preconceito durante sua trajetória. Aos oito anos, foi escalada para fazer o papel de Marie em “O Quebra-Nozes”, e se preparou muito. Mas, logo antes do show, foi informada que não faria o papel, e outra menina o faria, porque as pessoas não estavam preparadas para uma Marie negra.

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Ela pensou em desistir do ballet, até ver a bailarina negra Heidi Cruz executar no Ballet da Pensilvania.

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Michaela tem pés diferentes, mais curtos e mais musculosos do que é o “típico” nas bailarinas, e uma vez uma professora disse que ela não tinha corpo para ser uma bailarina profissional, uma tendência comum com as bailarinas negras.

“Muitas pessoas acreditam que as mulheres negras não devem ser bailarinas, porque elas acham que não temos corpo para o ballet clássico. Me disseram uma vez que as bailarinas negras não tem os pés bons, então eu trabalhei duro para fazer meus pés terem uma linha clássica”, diz Michaela.

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Ainda bem que Michaela conseguiu! Vamos ver fotos de outras bailarinas negras e da beleza da linha de seus corpos, e ver que não tem nada a ver esta história de que mulheres negras não podem fazer ballet!

 

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