câmara dos deputados
A Princesa Imperial Regente Isabel enviara à Assembléia Geral, na terça-feira 8 de maio de 1888, a proposta determinando o fim da escravidão no País.
Dois dias depois, o projeto já estava aprovado em segundo turno, e seguia para o Senado. A aprovação se deu em tempo recorde, graças ao esforço da bancada antiescravagista – liderada pelo pernambucano Joaquim Nabuco – e com a ajuda do presidente da Casa, Henrique Pereira de Lucena, o Barão de Lucena (PE). O ministro da Agricultura, deputado Rodrigo Augusto da Silva, que foi o portador da mensagem, leu o sucinto texto de apenas dois artigos.
Terminada a leitura, o Plenário irrompeu em ruidosas manifestações, seguido pelas galerias. Joaquim Nabuco era um dos mais emocionados.
– A escravidão ocupa o nosso território, oprime a consciência nacional e é pior do que o estrangeiro pisando no território da Pátria.
Precisamos apressar a passagem do projeto, de modo que a libertação seja imediata – propôs Nabuco, sugerindo a criação de uma comissão especial e a dispensa de todos os prazos e interstícios para que a lei pudesse ser votada pela Câmara no dia seguinte.
Andrade Figueira, deputado pelo Rio de Janeiro e líder da bancada antiabolição, protestou, sem sucesso, contra a tentativa de
acelerar a tramitação. – Qualquer que sejam as impaciências para converter em lei a proposta do governo, acho que é preciso colocar acima de tudo a legalidade dos atos do Parlamento – esbravejou o representante dos fazendeiros fluminenses, acusando os abolicionistas de rasgar o Regimento da Câmara.
O Barão de Lucena submeteu à votação o requerimento, aprovado pelo Plenário da Câmara, por ampla maioria. Dispensados diversos prazos e exigências regimentais, menos de três horas após a leitura do projeto a comissão especial criada para analisar o assunto já apresentava parecer favorável em Plenário.
Na quinta-feira, dia 10, com 83 votos favoráveis e apenas 9 contrários, o projeto recebeu aprovação final dos deputados.
Há quem diga que os primeiros negros foram trazidos ao Brasil entre os anos de 1516 e 1526, mas somente com o desenvolvimento do
cultivo da cana no Nordeste cresceu significativamente a demanda por negros escravos. É difícil avaliar com precisão o volume do tráfico externo para o Brasil durante os três séculos e meio de duração do trabalho escravo. A maioria dos estudiosos estima a vinda de aproximadamente 3,5 milhões.
Os escravos trazidos ao Brasil pertenciam a dois grupos de língua e cultura distintas: o dos sudaneses, encontrados nas regiões mais ao norte do litoral africano, e os bantos, nas áreas ao sul do Equador.
O Gabinete Dantas, que esteve no poder de 6 de junho 1884 a 5 de maio de 1885, e levantamento realizado em 1887 forneceram dados
estatísticos sobre a população escrava no Brasil nos últimos anos:
O deputado Andrade Figueira, da Província do Rio de Janeiro, apontou a “intervenção dos poderes públicos na solução de um assunto eminentemente social”, ao acusar o governo imperial de ceder às pressões da imprensa e dos “apopléticos” da abolição ao enviar o projeto de lei.
Entre poucos aplausos e seguidos gritos de “não apoiado”, Andrade Figueira reverberou o sentimento da bancada de proprietários rurais de seu estado.
– Que necessidade tão urgente é esta quando o problema tem sua solução natural nas leis de 1871 [Ventre Livre] e 1885 [Sexagenários]? Com a sua intervenção, os poderes públicos não fizeram mais do que comprometer a marcha do problema, produzindo uma agitação
estéril, promessas enganadoras, pesares dolorosos – acusou o deputado, em referência à expectativa de emancipação de escravos
criada pelas leis anteriores. Para Figueira, a estratégia governamental de emancipação gradual enganou os proprietários.
O portador do projeto de lei que acabou com a escravidão no Brasil, deputado e ministro da Agricultura Rodrigo Silva, reagiu da tribuna às críticas de Andrade Figueira à decisão do governo imperial de apresentar a proposta.
Segundo o ministro, em todas as democracias o poder público tem o dever de interferir na solução de problemas sociais como o do
elemento servil.
– Não havia um só órgão respeitável, desses que formam o sentimento de um povo e a opinião de uma nação, que não estivesse
empenhado nesta cruzada. Se observamos esta agitação pacifista por toda a parte, poderíamos, aceitando o poder, cruzar os braços e deixar que a revolução decretasse a libertação dos escravos? – questionou o deputado.
Rodrigo Silva citou a defesa da abolição pela Igreja, academias, tribunais e famílias. Até mesmo, disse, “os próprios interessados na manutenção da propriedade escrava davam diariamente exemplos os mais admiráveis de abnegação, libertando os seus escravos incondicionalmente”.
Graças ao zelo legislativo e à experiência de ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) do deputado baiano Barão de Araújo Góes, o projeto de lei que acaba com a escravidão pôde entrar em vigor imediatamente após ser sancionado pela Princesa Isabel. Araújo Góes conseguiu apoio do Plenário para inserir pequena e crucial emenda de redação ao Artigo 1º do texto original. Onde se lia “é declarada extinta a escravidão no Brasil”, o deputado acrescentou “desde a data desta lei”. O deputado contestou as acusações de que a alteração seria “inútil”.
– É uma necessidade indeclinável em face da legislação, porque a lei não pode vigorar na Corte senão oito dias e nas províncias senão três meses depois de publicada. É necessário que o prazo que se exige para a Corte seja o mesmo para todo o Império.
Um dos nove deputados que votaram contra a extinção da escravatura, Alfredo Chaves dirigiu seus ataques ao ministro Rodrigo Silva, que para ele apresentou o projeto “sem nenhuma razão de estado”, cedendo a pressões e ignorando os direitos dos proprietários rurais.
– O projeto é uma ameaça iminente à ordem pública, porque não se tomaram precauções para garantir a sociedade contra essa classe de cidadãos novos que a ela são atirados, sem os meios, sequer, de proverem a sua subsistência – disse o deputado escravagista, em referência ao número de 600 mil escravos que ainda existiam no país.
Para o deputado, o governo imperial caiu em contradição ao apresentar o projeto apenas três anos depois da Lei do Ventre Livre, que fixava critérios de reparação aos senhores de escravos, além de estabelecer as condições em que o fim completo do regime servil se daria no país.
Fonte: Transcrição do documento em PDF chamado “Encarte Abolição” publicado pelo Senado.