A. MARQUES FOLHAPRESS
Por Leonardo Boff, da Carta Maior
Clássicos são os profetas do Primeiro Testamento (dizia-se antes Antigo Testamento) que se mostravam sensíveis às questões sociais como Oséias, Amós,Miquéias, Jeremias e Isaías.
Na verdade, em todas as fases do cristianismo esteve sempre presente o espírito profético, como entre nós inegavelmente com Dom Helder Câmara, com o Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, com Dom Pedro Casadáliga e outros, para ficar somente no Brasil.
O profeta é um indignado. Sua luta é pelo direito e pela justiça especialmente dos pobres, dos fracos e das viúvas, contra os exploradores dos camponeses, contra os que falsificam pesos e medidas e contra o luxo dos palácios reais. Eles sentem um chamado dentro de si, interpretado no código bíblico, como uma missão divina.
Amós que era um simples vaqueiro, Miquéias um pequeno colono e Oséias, casado com um prostituta, largam seu afazeres e foram ao pátio do templo ou diante do palácio real para fazer suas denúncias. Mas não apenas denunciam. Anunciam catástrofes e após anunciam uma nova esperança de um recomeço melhor.
São atentos aos acontecimentos históricos também em nível internacional. Por exemplo, Miquéias increpa Nínive, capital do império assírio:”Ai da cidade sanguinária, tudo nela é mentira. De roubo está cheia e não para de saquear. Lançarei sobre ti imundícies”(3,1.6). Jeremias chama Babilônia de “a metrópole do terror”.
Devemos entender corretamente as previsões dos profetas. Não é que anteveem as catástrofes, como se tivessem acesso a um saber especial. O sentido é esse: a persisitir a atual situação e a se negar a mudá-la, de exploração, de práticas contra os indefesos e de abandono da reverente relação com Javé, terá como consequência uma desgraça.
Logicamente desagradam aos poderosos, aos reis e até ao povo. São chamados de “perturbadores da ordem”, “conspiradores contra a corte ou o rei”. Por isso os profetas são perseguidos, como Jeremias que foi torturado e posto na prisão; outros foram assassinados. Poucos profetas morreram de velhos.Masninguém lhes fez calar a boca.
Evidentemente há falsos profetas, aqueles que vivem nas cortes e são amigos os ricos. Anunciam só coisas agradáveis e até são pagos para isso. Há um verdadeiro conflito entre os falsos e os verdadeiros profetas. Sinal de que um profeta é verdadeiro é a sua coragem de arriscar a vida pela causa dos humildes da terra e que sempre grita por justiça e por direito e que, incansavelmente, defende o certo e o justo.
Os profetas irrompem em tempos de crise, para denunciar projetos ilusórios e anunciar um caminho que faça justiça ao humilhado e que gere uma sociedade agradável a Deus porque atende aos ofendidos e aos feitos invisíveis. A justiça e o direito são as bases da paz duradoura: essa é a mensagem central dos profetas.
Hoje vivemos em nossa realidade nacional e mundial grave crise. Corpos de cientistas e analistas do estado da Terra nos advertem: a seguir a lógica da acumulação ilimitada estamos preparando grave catástrofe ecológico-social. Essa é a consequência. Não vamos ao encontro do aquecimento global. Já estamos dentro dele e os sinais são inegáveis.
Estas vozes, das mais abalizadas, não são ouvidas pelos “decision makers” e pelos homens do dinheiro. É anti-sistêmico e prejudica os negócios. Em nosso país, mergulhado numa crise sem precedentes, governado caoticamente por pessoas incompetentes e até ridículas, faltam-nos profetas que denunciem e apontem caminhos viáveis para sairmos deste atoleiro.
Na linha profética estão as palavras de Márcio Pochmann:“A se manter o caminho aberto pelo neoliberalismo de Temer e agora aprofundado pelo ultraliberalismo que domina o confuso governo Bolsonaro, o sentido do Brasil tende a ser o da Grécia com fechamento de empresas e quebra da administração pública. O pior rapidamente se aproxima”. Outros vão além: “a se imporem as reformas político-sociais, conformes à lógica do mercado, meramente competitivo e nada cooperativo, o Brasil poderá se transformar numa nação de párias”. Precisamos de profetas, religiosos, civis, homens e mulheres ou pelo menos que tenham atitudes proféticas, para denunciar que o caminho já decidido será catastrófico.
Dão-nos esperança as palavras de Isaías:”O povo que vive na escuridão, verá grande luz, habitantes em regiões áridas, a luz resplandecerá sobre eles”(6.1).
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.Escreveu “Ecologia: grito da Terra, grito dos pobres,Vozes 2005