Geledés na ONU

Área de Juventudes de Geledés ganha força em cenário internacional

A área de Juventudes de Geledés-Instituto da Mulher Negra na esfera internacional vem alcançando um relevante desempenho que merece atenção. Em 14 de julho, sob o comando da representante de Geledés em Juventudes, Ester Sena, e em parceria com o Stakeholder Group de Afrodescendentes e o Major Group para Crianças e Adolescentes, o instituto promoveu o evento “Diálogos Interraciais para o Desenvolvimento Sustentável: Conectando Gerações e Comunidades”.

O evento aconteceu em Nova York, paralelamente ao Fórum Político de Alto Nível sobre Desenvolvimento Sustentável (HLPF), realizado entre os dias 13 a 19 de julho. O HLPF é a principal plataforma da ONU para o acompanhamento e a revisão da Agenda 2030 e dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Essa foi a primeira atividade oficial na área internacional de Juventudes e do Stakeholder Group de Afrodescendentes, recém-criado por iniciativa da organização. Participaram do evento cerca de 20 pessoas da alta cúpula das Nações Unidas, entre elas Oli Henman, copresidente do Mecanismo de Coordenação dos Major Groups e Outros Stakeholders, e representantes do Major Group for Children and Youth (MGCY). “Se hoje falamos de juventude afrodescendente, é porque sobrevivemos. Sobrevivemos a genocídios silenciosos e políticas de Estado que nunca nos quiseram vivos, organizados e conscientes. E mesmo assim, nos organizamos, resistimos e construímos saídas coletivas em nossos territórios, nas comunidades, nas escolas e nas redes”, disse Ester à época do evento.

E complementou: “As conquistas de Geledés ampliam a visibilidade e o reconhecimento das juventudes afrodescendentes como sujeitos políticos essenciais na construção de soluções para os desafios sociais, ambientais e econômicos. Contribuem para romper silêncios institucionais, garantir espaços de fala e decisão, influenciar políticas públicas e promover referências positivas de liderança. No cenário global, fortalecem alianças no Sul global e abrem caminhos para que jovens afrodescendentes de diferentes territórios compartilhem experiências, construam agendas comuns e disputem narrativas nos espaços multilaterais”.

Neste encontro, foram discutidos caminhos para ampliar a presença de juventudes negras, indígenas, quilombolas e periféricas nos importantes espaços globais de decisão, além de reafirmar a importância de incorporar perspectivas interseccionais nas políticas públicas e nos marcos internacionais. Também foram pautados direitos e demandas de pessoas LGBTQIA+ e pessoas com deficiência, com foco na promoção de um desenvolvimento verdadeiramente inclusivo, que reconheça e valorize a diversidade de corpos, identidades e experiências.

O evento também buscou produzir recomendações concretas para integrar os princípios antirracistas e de justiça social às agendas globais de desenvolvimento, clima, gênero e direitos humanos. Além disso, foram construídas estratégias conjuntas, na direção de uma governança mais justa, participativa e sustentável, comprometida com o enfrentamento das desigualdades estruturais que atravessam as regiões da América Latina e do Caribe. O espaço se consolidou como um importante momento de articulação e fortalecimento coletivo entre organizações, ativistas e pessoas que atuam na defesa de direitos.

“Temos fortalecido a participação da juventude afrodescendente em agendas nacionais e internacionais, promovendo sua atuação em espaços multilaterais, conferências climáticas e fóruns de direitos humanos. A organização tem impulsionado o protagonismo juvenil com foco em justiça racial, climática e de gênero, articulando a inclusão de jovens afrodescendentes em mecanismos institucionais”, afirmou Ester Sena.

Ainda em abril deste ano, a assessora de Juventudes e Clima de Geledés, participou do Fórum da Juventude do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), espaço que oferece uma plataforma para o diálogo entre jovens, Estados-Membros e organizações da sociedade civil, com o objetivo de expressar demandas e propor ações concretas para o desenvolvimento sustentável. Em seu discurso, ela defendeu na ONU justiça racial, sustentabilidade e uma participação e representatividade dos jovens nos debates sobre o futuro do planeta.

Ester Sena, assessora de Clima e Juventude do Geledés – Instituto da Mulher Negra

“Espaços como este são fundamentais e inestimáveis, pois são concebidos para assegurar que as vozes da juventude sejam ouvidas e respeitadas, especialmente as de jovens afrodescendentes. Temos muito a dizer e a contribuir. Empoderar a juventude é mais do que reconhecer sua importância — é confiar-lhe as ferramentas e o poder de reimaginar espaços que incorporem justiça, dignidade e sustentabilidade para todas as pessoas”, afirmou na ocasião.

O Fórum da Juventude foi orientado pela temática de 2025 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e do Fórum Político de Alto Nível (HLPF): “Promovendo soluções sustentáveis, inclusivas e baseadas em ciência e evidências para a Agenda 2030, sem deixar ninguém para trás”. As discussões se centraram especialmente nos ODS que estão em revisão aprofundada no HLPF de 2025: ODS 3 (Saúde e Bem-Estar), ODS 5 (Igualdade de Gênero), ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), ODS 14 (Vida na Água) e ODS 17 (Parcerias para a Implementação dos Objetivos).

Antes de se tornar assessora da Juventude de Geledés no início deste ano, Ester já era assessora de Clima do instituto, experiência que contribuiu para interseccionar com os temas da agenda global de clima. Além de representar Geledés, Ester Sena também é Ponto Focal Adjunto do Grupo NNAyJ (Niñas, Niños, Adolescentes y Jóvenes) da América Latina e Caribe que atua em agendas de mudanças climáticas, desenvolvimento sustentável e direitos humanos, por meio do MSCALC (Mecanismo de Participação das Crianças e Jovens da América Latina e Caribe na UNFCCC) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).

Durante a 62ª sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC (SB62), realizada entre 16 a 26 de junho, em Bonn, na Alemanha, Ester, como representante de Geledés, participou na elaboração e revisão dos documentos do Major Group de Crianças e Adolescentes (YOUNGO), para que houvesse a inclusão de demandas da juventude afrodescendente, fortalecendo sua representatividade. Ela também representou o YOUNGO em reunião oficial dos mecanismos da UNFCCC.

Como a assessora de Geledés bem notou, a SB62 trouxe as primeiras menções oficiais à população afrodescendente nos documentos da UNFCCC, marcando um avanço importante no reconhecimento das especificidades raciais nas negociações climáticas. Contudo, ela sublinhou que persistem desafios relacionados à inclusão efetiva de jovens racializados nos espaços decisórios e na pauta das negociações.

Geledés e a Juventude negra

Embora a subárea de Juventudes tenha sido formalmente estruturada em 2024, a atuação de Geledés com jovens negros e negras no Brasil vem de décadas. Ester explica: “As ações de Geledés na pauta de juventude vem de muitos anos, desde o Projeto Rappers a programas da área de educação e de comunicação da instituição. No âmbito internacional, ao participarmos de eventos globais de alto nível fomos criando a percepção da ausência dessa juventude afrodescendente e a dificuldade de levar essa agenda para dentro desses espaços. É nesse contexto que surgiu a subárea de Juventude na área de incidência Internacional de Geledés, que desde 2024 vem desenvolvendo estratégias para a maior inclusão e participação das juventudes afrodescendentes”.

De 1992 a 1998, Geledés promoveu um projeto específico para essa população, o Projeto Rappers, que veio de uma demanda de jovens negros das bandas de rap da cidade de São Paulo. Eles vieram ao instituto com questões complexas em relação à responsabilidade e protagonismo da organização diante das várias situações que impactam diariamente a vida desses e dessas jovens, como marginalização social, racismo, preconceitos e violências sistemáticas.

As bandas agregadas em torno do Projeto Rappers passaram a compor os Fóruns de Denúncia e Conscientização do Programa de Direitos Humanos do Geledés, trazendo a originalidade de articular a atividade cultural com a ação política em uma linguagem musical como instrumento de conscientização e valorização da juventude negra, introduzindo, assim, um novo paradigma para a organização.

Dentre as muitas realizações desse projeto estão a participação no Grupo de Trabalho Afro-Brasileiro da Secretaria de Educação criado pela Resolução SE 104 de 15/06/94 que tem por objetivo desenvolver estudos, debates, pesquisas e atividades que visem subsidiar as ações dos demais órgãos da Secretaria de Educação.

Outro importante resultado foi a criação da revista Pode crê!, a primeira publicação voltada aos jovens e adolescentes negros e negras do país, elaborada por uma equipe jovem e por um jornalista responsável. A revista serviu de fonte de inspiração para veículos segmentados para a população negra, como a revista Raça.

Outro projeto inspirador e pioneiro na área da Juventude em Geledés foi o Geração XXI, a primeira ação afirmativa, iniciada em 1999, voltada à educação de jovens negros e negras no Brasil. O projeto congregou 21 jovens negros de famílias de baixa renda de São Paulo, envolvendo a Fundação BankBoston, com apoio governamental da Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura.

Esses jovens entre 13 e 15 anos, de famílias com renda per capita entre um e dois salários mínimos, eram residentes da cidade de São, e tiveram seus estudos custeados da 8º série do ensino fundamental ao término da graduação universitária, por um período de nove anos. Diversas escolas públicas (diretores/as e professores/as ) e algumas entidades sociais da cidade de São Paulo foram convidadas a participar do projeto, apresentando jovens negros/as que passaram por um processo seletivo, alicerçado nos critérios de origem racial/étnica, idade, escolaridade, renda per capita, além de terem o aprendizado como valor social, interesse em fazer parte da proposta e compromisso do grupo familiar em manter os/as candidatos/as na escola e fora do mundo do trabalho até a conclusão do ensino médio.

O Projeto Geração XXI pautou-se pelo princípio de que o acesso ao conhecimento interfere qualitativamente na vida cotidiana, na apropriação e análise crítica do legado cultural da humanidade e na solução dos problemas práticos.

O programa levantou uma discussão nacional sobre a valorização da educação e aquisição de conhecimentos, como fatores indispensáveis para a superação dos obstáculos impostos pelos processos de exclusão e discriminação que atingem o povo negro no Brasil.

Mais recentemente, Geledés, em parceria com o Zoom Cares, lançou cursos gratuitos de multimídia para jovens negros e negras de São Paulo, com foco na inserção no mercado de trabalho e estímulo à produção de conteúdo sobre raça e gênero. A formação combina teoria e prática, oferecendo repertório técnico, cultural e jornalístico para ampliar as oportunidades profissionais dessa juventude.

A trajetória de Geledés revela que a juventude negra está no centro de suas estratégias, tanto em nível local quanto global. Ao ampliar sua presença nos fóruns internacionais e fortalecer iniciativas no Brasil, a organização reafirma sua convicção de que investir na formação, na representatividade e na liderança das juventudes afrodescendentes é fundamental para transformar realidades, buscando por justiça racial.

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