Foto: Natália Carneiro
Carolina Almeida, assessora internacional de Geledés – Instituto da Mulher Negra, passou a integrar o seleto organismo de delegadas do W20 (Women 20). Sua chegada ao grupo do G20 voltado às questões de gênero foi o resultado de um longo ano de articulação, escuta e incidência política. A experiência anterior como cofacilitadora do C20 (Civil 20), outro grupo de engajamento do G20, dedicado à participação da sociedade civil, serviu lhe como um caminho para chegar ao W20. Porém, o W20 tem um funcionamento distinto do C20 e a inserção de suas participantes se dá de forma física e não institucional, como explica Carolina. “No W20, a participação se dá como pessoa física, com base no seu acúmulo de experiência na área de gênero. É a delegação nacional que decide quem entra e quem sai.”
O W20 completa 10 anos de existência em 2025 e, assim como os outros grupos de engajamento, foi estabelecido como um instrumento consultivo e de elaboração de recomendações à cúpula dos chefes de Estados membros das Nações Unidas. Ele reúne especialistas e lideranças femininas de diversos países com o intuito de promover a equidade de gênero nas políticas públicas globais. Diferentemente do C20, no qual organizações da sociedade civil são selecionadas para cofacilitar grupos de trabalho temáticos, o W20 é formado por delegadas nomeadas. São essas delegadas responsáveis pela redação do chamado communiqué — um documento político, construído por consenso entre as participantes, que traz visões e recomendações para a agenda da presidência do G20. “É o comunicado final do grupo, entregue ao à Cúpula do G20, que expressa as prioridades das mulheres nos temas discutidos”, resume Carolina.
Atualmente, o W20 Brasil é liderado por Adriana Carvalho, e conta com as delegadas Ana Fontes, Camila Achutii, Kamila Camilo, Maria José Tonelli, Maria Rita Spina Bueno e Janaína Gama. O Conselho Nacional é composto por Ana Carolina Querino (ONU Mulheres), Rebecca Tavares (ONU Mulheres), Sueli Carneiro (Geledés), Neca Setubal (Fundação Tide Setubal), Luiza Trajano (Grupo Mulheres do Brasil) e Sabrina Sciama (Fundo de População das Nações Unidas – UNFPA).
O tema da interseccionalidade foi um dos grandes marcos da participação brasileira no W20 durante a presidência do Brasil no G20. “É sobre enxergar as múltiplas dimensões da desigualdade, não apenas gênero, mas também raça, deficiência, classe, entre outras”, destaca Carolina.
A abordagem racial está diretamente entrelaçada à trajetória de Carolina. Originária de Ribeirão Preto (SP), ela é graduada em Relações Internacionais e Ciência Política na UnB, com mestrado e doutorado na área de migrações e raça. “No meu doutorado, estudei migrações latino-americanas com ênfase na questão racial. Não era especificamente sobre gênero, mas me deu ferramentas para analisar desigualdades estruturais na região, a partir do nosso lugar latino, negro, feminino”, explica. Esse acúmulo somado à experiência no Geledés contribuiu para que sua voz tivesse eco nas discussões sobre direitos humanos— especialmente quando a temática se tratava da condição das mulheres negras no Brasil.
Carolina começou a acompanhar os trabalhos do W20 em abril de 2024, durante o primeiro diálogo nacional do grupo, dedicado ao empreendedorismo feminino. “Fui como representante de Geledés porque em nosso núcleo internacional, eu e o assessor internacional Gabriel cuidávamos do G20”, recorda. A partir desse momento, sua presença no grupo se intensificou.
A assessora internacional de Geledés era constantemente convidada a participar de reuniões, seminários e do próprio W20 Summit — o encontro internacional que consolidou os debates do ano. Sua performance proativa chamou a atenção da liderança da delegação brasileira, que vinha buscando ampliar a diversidade de vozes. “Foi uma aproximação construída. A co-head me procurou diretamente e conversamos sobre a possibilidade de eu integrar o grupo oficialmente”, conta.
Um dos eixos centrais do W20, a economia do cuidado, foi impulsionado pela criação da Política Nacional de Cuidados no Brasil e articulado com outras delegações. “Na Índia, o tema já tinha sido citado, mas no Brasil houve uma intensificação. Levei a perspectiva das mulheres negras que estão na base dessa cadeia de cuidados, muitas vezes invisibilizadas, e isso ajudou a reforçar a dimensão racial na formulação das recomendações”, relata.
Carolina também se destacou ao trazer a temática sobre o empoderamento econômico das mulheres negras. Em novembro passado, em parceria com Ipea, ONU Mulheres, Civil Society 20 (C20) e o próprio W20, Geledés promoveu o evento Empoderamento econômico da população afrodescendente e o papel dos Bancos Multilaterais e dos Bancos Nacionais de Desenvolvimento. O debate, em que Carolina representou Geledés, gerou um importante documento sobre a temática.
Com essa bagagem, em suas intervenções nas reuniões do W20, Carolina fez algumas ressalvas sobre o modelo de empreendedorismo promovido. “Queremos superar os desafios que obstaculizam a emancipação econômica das mulheres afrodescendentes, fugindo da armadilha da narrativa mercadológica do empreendedorismo, que não tem conexão com a nossa realidade.” Segundo ela, os traços coloniais e racistas ainda moldam a estrutura produtiva do Brasil, mantendo as mulheres negras na base da pirâmide social, com os piores salários e condições de trabalho.
Com a presidência do G20 em 2025 nas mãos da África do Sul, Carolina segue como delegada brasileira. O W20 funciona em sistema de tróica, em que três países (o anterior, o atual e o próximo a presidir o G20) coordenam juntamente os trabalhos. Atualmente, a tróica é formada por Brasil, África do Sul e Estados Unidos. Essa estrutura visa garantir continuidade política às prioridades do grupo. “Temos reuniões quinzenais e a tróica participa ativamente da redação do comunicado final e da organização do processo. A ideia é alinhar estratégias entre países que enfrentam desafios parecidos — como Brasil e África do Sul, ambos com histórico de desigualdades raciais e de gênero”, explica.
Para Carolina, sua presença no W20 é uma síntese de uma trajetória marcada pelo compromisso com justiça social e equidade. “O que eu estudo, o que eu pesquiso e o que eu pratico em Geledés se encontra no W20. Estou ali como uma mulher negra, internacionalista, cientista política e ativista. E o que eu levo é essa experiência de um Brasil real, que precisa ser ouvido nos espaços”, conclui.