Mulher Negra

Clatia Vieira: ‘marchamos para que a nossa história não seja apagada’

Desde muito jovem, Clatia Vieira tem gosto pela militância. No ensino fundamental, foi representante de turma. Aos 15 anos, passou a integrar a Associação de Moradores do Morro da Coroa, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (RJ). Mas foi no movimento de mulheres negras que se encontrou e se forjou no ativismo por um país com Bem Viver. Hoje, aos 61 anos, a ativista é formada em Direito, mestre em Relações Étnico-Raciais e integrante do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro. 

Entre as conquistas das quais se orgulha de ter participado está a inclusão do 25 de julho como Dia da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha no calendário oficial do estado do Rio de Janeiro. O marco aconteceu em 2007, sete anos antes da data ser formalizada no calendário nacional. 

Sua trajetória no ativismo foi marcada pela construção da 1ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que aconteceu em 18 de novembro de 2015. Ela fez parte do comitê propulsor que organizou o movimento. 

Crédito: arquivo do Fórum Estadual de Mulheres Negras do Rio de Janeiro

Pontua também que o movimento possibilitou a conexão entre ativistas negras de diferentes regiões, fortalecendo suas lutas. “A Marcha é um capítulo à parte na vida do movimento das mulheres negras”, resume. 

Sobre o processo de realização do ato, em 2015, a ativista conta que foram planejadas formações com lideranças do feminismo negro e outras atividades, a fim de mobilizar as bases e movimentar discussões políticas, colocando a questão racial no centro. 

Uma década depois desse marco, se diz honrada em participar, também, da construção da 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que acontecerá em 25 de novembro deste ano, em Brasília. Entre o ânimo e os desafios, confessa que o ideal de levar mulheres de todas as regiões do país para a capital federal tem se mostrado um processo duro, principalmente em relação a arrecadação financeira e dificuldades logísticas.

“A única coisa que pode tirar a gente da Marcha é o racismo”, destaca. E, diante desse cenário, ressalta a necessidade de marchar para “mostrar ao Estado brasileiro que a nossa luta é uma só, que nós estamos aquilombadas, é importante ir a Brasília para apontar as nossas pautas”. 

Em sua opinião, a Marcha é o “meio” e não um “fim”. “Nossa luta é no território, a gente vai [à Brasília] apresentar e cobrar as nossas pautas, mas o grande desafio dessa movimentação é voltar pro território e implementá-las”, explica. 

Entre as pautas propostas para 2025 está a reparação. Na visão de Clatia, esse objetivo se traduz em questões como: ter cada vez mais pessoas negras ocupando cargos políticos e a adoção de medidas capazes de proporcionar uma condição de vida digna a este grupo, combatendo a atual situação de precariedade. “Reparação é o Estado brasileiro pedir perdão a essa população e assumir que o racismo mata”, diz. 

Questionada sobre Bem Viver, afirma: “é tudo o que a reparação pode nos trazer, trata-se de ter uma vida sem violência, sem medo, com direito à fala e respeito às diferenças”. 

Desde o início de sua militância, a ativista marcha, cotidianamente, em nome do seu próprio Bem Viver e daquelas que se assemelham a ela, no esperançar por dias melhores e sem medo para crianças e juventudes negras. “Marchamos para que a nossa história não seja apagada e para que não sejamos silenciadas”, reforça, altiva.  


A conversa com Clatia Vieira integra a série de entrevistas “Mulheres Negras em Marcha”, que vai dialogar com ativistas do movimento de mulheres negras de diferentes gerações e regiões do país, a fim de pautar a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que acontecerá no dia 25 de novembro, em Brasília. As entrevistadas vão relatar suas trajetórias de luta, seu engajamento nas marchas e os motivos que as fazem marchar cotidianamente. 

A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver trata-se de uma continuação do movimento que aconteceu em 2015 e reuniu milhares de militantes em Brasília: a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Uma década depois, o movimento de mulheres negras pretende reunir 1 milhão de marchantes na capital do país a fim de reivindicar um novo pacto civilizatório.

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