Foto: © Marcelo Camargo/Agência Brasil
“O que há de inédito nesta ação penal é que nela pulsa o Brasil que me dói. A presente ação penal é quase um encontro do Brasil com seu passado, com seu presente e com seu futuro.” A frase da ministra Cármen Lúcia, durante o julgamento da trama golpista de Jair Bolsonaro, marcou a decisão histórica da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que condenou o ex-presidente nesta quinta-feira (11).
Por 4 votos a 1, os ministros reconheceram Bolsonaro e parte de sua cúpula como responsáveis pela conspiração. O ex-presidente foi condenado a 27 anos de prisão pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e deterioração de patrimônio tombado. Além dele, também foram condenados Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Walter Braga Netto (ex-ministro e candidato a vice em 2022) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens).
A condenação dos réus rompe com a tradição de impunidade que, ao longo da história, blindou os responsáveis por golpes e conspirações no Brasil. Ao responsabilizar um ex-presidente da República, o STF afirma que a democracia não pode ser relativizada ao sabor de interesses autoritários. Neste caso, a decisão sinaliza que o Estado Democrático de Direito não é ornamento descartável, mas fundamento a ser defendido.
Com sentença decretada no mesmo ano em que a redemocratização completa 40 anos , Cármen Lúcia verbalizou, ao votar, que o julgamento ultrapassa o campo jurídico. A ministra lembrou que o país carrega um “melancólico histórico de termos poucos repúblicos” e advertiu para a necessidade de proteger as instituições diante de sucessivas tentativas de ruptura.
A responsabilização de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal aponta para um Brasil menos resignado diante de ataques contra a democracia. Ao longo da história, golpes de Estado, conspirações militares e rupturas institucionais encontraram terreno fértil na passividade nacional e na falta de punição aos seus artífices. Dessa vez, porém, o tribunal sinalizou que não há espaço para tolerar a subversão das urnas e a tentativa de instalar o arbítrio.
Esse ponto de vista foi contemplado no voto do ministro Flávio Dino, que afastou as acusações de arbitrariedade dirigidas ao Supremo: “Estamos aqui fazendo o que nos cabe, cumprindo nosso dever. Isso não é ativismo judicial, não é tirania, não é ditadura. Pelo contrário, é a afirmação da democracia que o Brasil construiu.”
As penas aplicadas aos demais réus dimensionam o alcance da decisão do Supremo. Walter Braga Netto, condenado a 26 anos de prisão, e Anderson Torres e Almir Garnier, com 24 anos cada, receberam as maiores punições depois de Bolsonaro, evidenciando a participação ativa de militares e do aparato de segurança na conspiração. Augusto Heleno foi sentenciado a 21 anos, confirmando o envolvimento de uma das figuras mais próximas ao ex-presidente. Já o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira recebeu 19 anos, enquanto Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin e hoje deputado federal, foi condenado a 16 anos e 1 mês, com a perda do mandato.