A seguir, apresentamos as perguntas mais comuns sobre a adoção de cotas. As respostas reforçam o objetivo desta publicação, oferecendo argumentos favoráveis às políticas de ação afirmativa como forma de construção de um mundo mais justo e democrático para todos e todas.
Esse negócio de cotas pra negros(as) não é racismo ao contrário?
A inclusão de políticas de ação afirmativa tanto no debate público como na pauta do governo é uma conquista de segmentos do movimento negro, que há anos denunciam a desigualdade social e racial no Brasil em vários setores: saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, entre outros. Tratar de maneira diferenciada um grupo que teve menos oportunidades – e, portanto, que está em situação de desvantagem – é uma tentativa de diminuir essas desigualdades, restituindo direitos há muito negados. Não é um privilégio. É, na realidade, o exercício da democracia, respeitando a diversidade étnicoracial da nossa população e revelando a forma desigual como essa diversidade tem sido tratada pelo Estado e pela sociedade brasileira ao longo dos séculos.
Pessoas negras são menos inteligentes que as brancas?
Não. Todos(as) nós, negros(as) e brancos(as), temos a mesma capacidade intelectual, mas nem todos(as) temos ou tivemos as mesmas oportunidades sociais e educacionais. A grande diferença está na existência de um abismo social e racial que nega condições iguais de acesso a saúde, trabalho, educação etc. para negros(as) e brancos(as). A diferença não está na cor de pele. Além disso, a desigualdade racial não é recente. É preciso lembrar do histórico da escravidão e da ausência de políticas públicas pós-abolição para integração dos(as) descendentes de africanos(as) escravizados(as).
As cotas para as universidades ajudarão a diminuir o racismo?
Esperamos que sim! As cotas têm um papel além da promoção do ingresso de uma população específica na universidade. As cotas estimulam o debate sobre a questão racial, que no Brasil chega com mais de um século de atraso, questionam a diversidade dentro de instituições de ensino e nos fazem refletir nas conseqüências do nosso passado escravo marcado pela ausência de políticas públicas pós-abolição. As atuais disparidades entre pessoas brancas e negras no país são também conseqüência da ausência dessas políticas. Além disso, a adoção de cotas
raciais nos convida a repensar antigos preconceitos e estereótipos, o que incomoda e torna a questão polêmica, mas não menos necessária.
Por que não são suficientes as cotas para alunas e alunos vindos de escolas públicas?
A adoção de cotas para estudantes da rede pública de ensino é importante, mas não atende diretamente a população negra. Esse tipo de medida reforça duas idéias equivocadas. A primeira é que não existem mecanismos de exclusão
racial no Brasil. Assim, se abrirmos caminhos para a inclusão das pessoas pobres, estaríamos resolvendo o problema da maioria dos(as) negros(as) – o que não é verdade.
Mesmo entre pobres, assistiríamos a uma maior inclusão dos(as) brancos(as).
Na maioria dos casos, as escolas tanto públicas como particulares não mostram as pessoas negras como agente de uma história anterior a sua chegada ao Brasil. A rica contribuição histórica e cultural dessa população não é trabalhada
em sala.
Desde sempre, as crianças, negras ou não, aprendem a ver o(a) negro(a) de uma forma negativa. A diferença é que, para as crianças negras, o impacto é maior: sua auto-estima fica comprometida pela ausência de modelos negros.
Ou seja, a escola não dispõe de uma estrutura que valorize a população negra fazendo com que as crianças negras, mesmo recebendo um ensino de “boa qualidade”, ainda assim apresentem resultados mais baixos que colegas de classe brancos(as).
A segunda idéia nos faz crer que essa medida levaria a uma melhora da qualidade da escola pública. Essa melhora já é apontada como necessária pelos mais diversos segmentos da sociedade, mas muito pouco foi proposto, e menos ainda foi elaborado nesse sentido. Apesar de acreditarmos também que essa melhoria se faz necessária, não podemos esperar mais dez anos para que ela aconteça, e, aí sim, alunas e alunos negros vindos de escolas públicas possam competir com alunas e alunos de escolas particulares. Seriam mais dez anos de exclusão.
Outro dado muito importante é o da duração dessa forma de política de ação afirmativa que estamos discutindo. As cotas têm um “prazo de validade”. Queremos, sim, a melhora das escolas públicas, mas, como o processo de exclusão
tende a se perpetuar, o Estado precisa fazer valer uma medida temporária que ajude a diminuir essa diferença. Então, ao mesmo tempo, o governo trabalha na melhoria do ensino público, e a sociedade civil organizada faz seu papel elegendo políticos que representem seus interesses, monitorando o seu trabalho, reivindicando seus direitos de uma forma geral. As cotas representam uma medida urgente e, ao mesmo tempo, temporária, passível de avaliação constante para o seu aperfeiçoamento.
Não é injusto, para alunos(as) que tiraram nota maior, que negros(as) tenham preferência no ingresso das universidades públicas?
Todos(as) os(as) candidatos(as) ao vestibular – cotistas ou não – devem atingir uma nota mínima para serem classificados(as). Na Uerj, por exemplo, o vestibular ocorre em duas fases.
A primeira é composta por até duas provas de múltipla escolha (exame de qualificação). O(a) candidato(a) faz a primeira prova e tem a oportunidade de fazer uma segunda caso tenha perdido a anterior ou esteja insatisfeito(a) com sua pontuação. Vale a maior nota. Nesse exame, o(a) candidato(a) não opta por concorrer no vestibular com reserva de vaga. Faz a prova como qualquer outro(a) aluno(a), independente de ser negro(a) ou branco(a), estudante de escola pública ou particular, sendo avaliado pelo sistema da universidade.
É apenas na segunda fase que o(a) candidato( a) deverá optar: vestibular com ou sem reserva de vagas. É aí que ocorre a autodeclaração.
Os(as) alunos(as) que optam por cotas concorrem entre si, ou seja, disputam aquela percentagem de vagas destinadas a cotas específicas para qual se inscreveram. Por exemplo, os(as) alunos(as) que se declaram negros(as) disputam somente as vagas destinadas a esses(as) candidatos(as). As cotas ajudam a universidade pública a discutir e redefinir a noção de mérito. Ao levar em conta candidatos(as) que não puderam se dedicar exclusivamente ao estudo, a universidade tende a se tornar mais inclusiva.
COTAS RACIAIS, POR QUE SIM?
Para saber mais
{joscommentenable}