Ilustração feita com exclusividade por Ana Carolina Matsusaki (Nã)
por Barbara Paes no Ovelha
No caminho entre o Metrô Anhangabaú e o escritório.
Passo por um engravatado, que grita:
Mando o cara se foder. A reação dele é rápida e previsível:
Uniforme escolar, de pé no ônibus lotado.
Um velho chega perto, quase encostando, e diz:
Não soube reagir, quase vomitei.
Uma mulher levanta do seu assento pra que eu possa sentar.
Oitava série. Aula de matemática. Sou a única pessoa negra na sala de aula. Sento com as pernas dobradas em cima da cadeira. Chamo o professor pra tirar uma dúvida, e antes de resolver o exercício, ele aconselha:
Algumas das minhas colegas de classe, brancas, estão sentadas exatamente da mesma forma. Nenhuma delas foi repreendida.
Fazendo compras no shopping com a minha mãe. Antes de sair pra pegar o par de tênis que eu escolhi, o vendedor me olha e solta:
Ela o encara com nojo e saímos loja sem comprar nada.
Comecei a escutar comentários sobre meu corpo por volta dos 7 anos. Menina negra nunca tem “cara de criança”. Nossos corpos são hipersexualizados desde muito cedo, de uma forma extremamente agressiva e cruel.
Por um tempo acreditei que meninas negras de fato não tinham infância, que a gente crescia rápido e era isso. Achava que tinha que aprender a me portar de um determinado jeito, caso contrário, a responsabilidade pelo assédio sofrido era minha. Mas logo eu aprendi que o assédio a que eu era constantemente exposta ao andar na rua não era natural e que eu jamais me acostumaria.
Todas as mulheres estão submetidas ao machismo, mas não da mesma forma. É preciso fazer recortes. O Dossiê Violência Contra as Mulheres, da Agência Patrícia Galvão, explica que há “diferenças em formas de violência que vão atingir desproporcionalmente as mulheres ante a combinação de múltiplas formas de discriminação, baseadas em sistemas de desigualdades que se retroalimentam – sobretudo de gênero, raça, etnia, classe e orientação e identidade sexual”.
A história escravagista desse país ajudou a construir estereótipos ainda muito presentes que desumanizam e sexualizam as mulheres negras mesmo antes de entrarmos na puberdade, e que continuam a nos atormentar ao longo da vida adulta.
O mito racista da mulher negra hipersexualizada, subalterna e animalizada, vitimiza centenas de meninas e mulheres negras diariamente. As meninas negras são as maiores vítimas de exploração sexual infantil e de adolescentes. A taxa de homicídio de mulheres negras é o dobro da taxa das mulheres brancas.
Somos brutalmente atacadas todos os dias e eu nunca vou me acostumar.