Livros 'Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas'. Créditos: Reprodução/Editora Mostarda
As deputadas Fernanda Melchionna (PSOL-RS) e Sâmia Bomfim (PSOL-SP) entraram com uma representação na Procuradoria de São Paulo contra a prefeitura de São José dos Campos pela censura ao livro “Meninas Sonhadoras, Mulheres Cientistas“.
Na ação, elas pedem que o recolhimento da obra seja imediatamente suspenso, pois constitui um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público e aos princípios constitucionais. O livro foi retirado após pedido do vereador Thomaz Henrique (PL-SP) à prefeitura, que afirmou que a obra fazia “apologia ao aborto”.
A declaração do parlamentar foi feita durante sessão na Câmara Municipal nesta terça-feira (11). Ele cobrou a retirada dos livros, afirmando que a obra tem como uma das referências Débora Diniz, antropóloga defensora do aborto: “A gente quer saber quem aprovou, quem comprou esses livros para as escolas públicas do município, quem permitiu isso aqui? Precisa ser punido, não acredito que o prefeito concorde com isso aqui, e esse livro tem que ser recolhido das escolas”, disse o vereador.
A obra traz, além da antropóloga, a trajetória de outras 20 mulheres que fizeram história, como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez, Dorina Nowill e Marielle Franco. O livro foi escrito por Flávia Martins de Carvalho, juíza de Direito no Tribunal de Justiça de São Paulo e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF).
No laçamento, em julho de 2022, a juíza afirmou que o livro contribuía para “o empoderamento feminino, para a educação antirracista e para a formação inclusiva apresentando mulheres bastante diversificadas que, através de seus saberes, trouxeram grandes contribuições para o Brasil e para o mundo”.
A retirada da obra de circulação causou indignação de diversas professoras da rede municipal. “É um livro que, por meio de poesias sensíveis e profundas, homenageia, celebra e canta a vida de mulheres com histórias inspiradoras, de sucesso e de superação. Por isso, na escolha há Marielle Franco, cuja memória mantemos viva em sua luta pelos mais necessitados. É um absurdo essa censura que ocorre nas escolas de nossa cidade”, disse Jéssica Marques, professora de História em uma escola municipal de São José.
A educadora Carla Maciel afirmou que faz parte de “uma dessas escolas que perdeu a oportunidade de continuar a trazer luz para muitas meninas pretas e pobres que por vezes não têm expectativas de vida, mas podem ser inspiradas por um livro como este. Usei o meu acervo na semana do dia das mulheres, foi produtivo e gratificante. Agora, não tenho mais os livros à disposição, mas continuo meu trabalho com outras obras”.
“Trabalho na rede municipal há 20 anos e, neste momento, temos a gestão mais arbitrária e retrógrada que eu já vi. Não há diálogo, não há escuta, não há negociação. As coisas vêm de forma vertical, sem esclarecimento algum. Muito triste”, desabafou outra professora, Debora Perrenchelle.
A deputada Fernanda Melchionna, que também é bibliotecária e que faz parte da Frente Parlamentar em Defesa do Livro, Leitura e Escrita da Câmara dos Deputados, alertou que o recolhimento do livro “Meninas Sonhadoras. Mulheres cientistas” não é um fato isolado, e sim parte de uma estratégia da extrema direita.
“Ele vem na esteira da censura a diversos outros livros, como ‘O menino marrom’, de Ziraldo, ‘O Avesso da Pele’, de Jeferson Tenório, entre outros. A extrema direita, tal qual nos períodos ditatoriais, tem feito uma cruzada contra os livros porque sabe que ele provoca o pensamento crítico e a emancipação. Além de ser um ataque direto contra as mulheres e negros e negras. Seguiremos lutando contra a censura e os ataques fundamentalistas”.
No documento, tanto ela quando Sâmia Bomfim afirmam que a censura e a retirada de livros considerados “inadequados”, “atentatórios à moral” ou “subversivos” remonta a períodos terríveis da história, como a censura generalizada a autores críticos à ditadura militar no Brasil e, em última instância, às grandes queimas de livros realizadas pelo regime nazista na Alemanha. “Trata-se de ato flagrante de censura à pluralidade do pensamento e difusão do conhecimento, e de perseguição a autoras de determinadas vertentes filosóficas e políticas de desapreço pessoal, trecho da peça”, defendem.
As parlamentares ainda denunciam a ação arbitrária por parte da prefeitura, que não realizou sequer a abertura de processo administrativo prévio apto para fundamentar a decisão de retirar a obra. Por isso, as deputadas defendem que as motivações devem ser “questionadas e criticadas, quiçá anuladas por violarem princípios constitucionais”.
Elas também afirmam que houve desvio de finalidade, “pois a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, atuou por motivos ou com fins diversos dos previstos em lei ou exigidos pelo interesse público, ou seja, utilizou-se de um ato administrativo aparentemente legal, mas com finalidades obscuras e contrárias ao interesse público”.
Com base nisso, as deputadas pedem a suspensão imediata da retirada do livro do acervo das escolas e bibliotecas da rede municipal; ações para sua preservação contra ataque de vândalos e providências para a devida apuração e anulação do ato administrativo, além de determinar a impossibilidade de que os exemplares da obra sejam doados ou alienados sob qualquer pretexto ideológico ou pessoal.