A ex-vice-presidenta da Costa Rica, Epsy Campbell (centro), durante workshop no Uruguai, em maio de 2025 - AfroRedes
Entre a comunidade negra latino-americana (especialmente a feminina), Epsy Campbell é um marco histórico: foi a primeira mulher afrodescendente a chegar a uma Vice-Presidência na América Latina e no Caribe, quando assumiu o posto em sua Costa Rica natal, em 2018, permanecendo até 2022. Essa experiência vem sendo compartilhada pela economista em workshops realizados em países como México, Argentina e Uruguai, onde esteve em maio.
Nesses encontros, que duram entre dois e três dias, Campbell —também fundadora da Coalizão Global contra o Racismo Sistêmico— reúne representantes de distintos partidos e graus de incidência (de vereadoras a senadoras, passando por líderes de organizações não governamentais) e aproveita para tecer diálogos também com atores externos ao sistema político.
Em Buenos Aires, por exemplo, conversou recentemente com a Associação do Futebol Argentino e seu presidente, Claudio “Chiqui” Tapia, sobre um acordo de cooperação em prol de uma campanha antirracista no país.
No Uruguai, a economista iniciou seu encontro com líderes locais falando sobre “Liderança transformadora: uma nova aposta de poder a partir das mulheres afrodescendentes”, título de uma apresentação em que dividiu reflexões desenvolvidas a partir de sua experiência antes, durante e após a chegada ao Executivo costa-riquenho.
“Liderar a mim mesma é o primeiro ato de poder”, afirmou, antes de compartilhar seu decálogo de passos para uma “liderança compassiva”. A Folha esteve nessa conversa —organizada por entidades como o Instituto Afrodescendente para o Estudo, Pesquisa e Desenvolvimento—, da qual reproduz a essência dos principais fragmentos.
O primeiro pilar, ponderou Campbell, é “o sonho”: “Onde está o lugar aonde quero chegar, ou o projeto social?”. O segundo é “a missão”: “Como chegamos?”, “qual o veículo?” —referindo-se aos meios, projetos e ações que levem ao objetivo. O terceiro, enumerou, é o “conhecimento”: “Saber que sempre há mais para aprender”. Mas não como sofrimento, advertiu, senão como genuína curiosidade permanente pela vida: “O conhecimento como caminho para desfrutar”.
O quarto elemento é “disciplina”, com a “determinação de uma atleta de alto nível”, para chegar — chova ou faça sol— à meta estabelecida. O quinto é a “paixão”, ter clareza sobre o que se deseja e desejá-lo de verdade. O sexto pilar é “compaixão”: colocar-se no lugar dos outros, explicou, antes de observar que “compaixão é o que mais falta na política atual, em que funciona a lógica do depredador”.
O sétimo fator, continuou, é a “capacidade de liderar e inspirar”. O oitavo faz o complemento: “liderar com o exemplo”; “Estabelecer um marco ético próprio. Falar de ações, não de pessoas” e “não negociar o que é ruim para conseguir o que é bom ou para conseguir apoio”.
O nono pilar é “desafiar-se para ser sua melhor versão”. E o décimo, “o princípio Ubuntu”, afirmou —em alusão ao fundamento tradicional africano cujo eixo central é o respeito ao semelhante e o reconhecimento da primazia do coletivo: “O que não é útil para a colmeia tampouco é para a abelha”, exemplificou. E, para avançar, concluiu Campbell, é preciso não só “construir nossa tribo”, mas também “ser parte da tribo de outros”.
Denise Mota – Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens