Categories: Educação

Estudantes brancos da rede privada levam vantagem no Enem

Na comparação com os negros da rede pública, notas são 25% maiores

Por: Lorena Caliman

Divulgação/Enem

Um recorte de dados de desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2010 nas capitais brasileiras mostra uma grande distância entre as notas médias de estudantes brancos de escolas particulares e negros de escolas públicas. Os novos números ainda incluem dados comparativos entre as duas redes, sem o recorte racial, e confirma distâncias regionais.

Os dados mostram que as notas tiradas pelos alunos brancos de escolas particulares no exame são, em média, 21% superiores às dos negros da rede pública do país. Na comparação geral entre os estudantes das duas redes, independentemente da cor da pele, a diferença foi menor: as notas dos alunos de escolas particulares foram 17% superiores.

Embora em menor dimensão, a variação de desempenho entre negros e brancos dentro da escola pública também é desvantajosa para o primeiro grupo. Na média, os brancos têm médias 3% maiores que os negros.

Apesar de ter uma das maiores proporções de afrodescendentes entre as capitais, Salvador registrou a segunda maior diferença entre as médias de alunos brancos de escolas particulares e negros de escolas públicas, perdendo apenas para Vitória, capital do Espírito Santo.

A capital capixaba teve uma média de 502,59 nas provas objetivas (sem a redação) dos estudantes negros, a sexta maior entre as capitais. Mas na comparação com os alunos brancos de escolas particulares, a diferença é a maior de todas: os brancos da rede privada têm média 27% superior à dos negros das públicas. No estado, as diferenças também existem entre negros e brancos de redes semelhantes.

Em Salvador, apesar da participação maciça dos estudantes negros na escola pública, a diferença de nota para os brancos de escolas privadas chega em 25%.

O estudo ainda evidenciou diferenças significativas nos desempenhos regionais. Por exemplo: o negro de Belo Horizonte que estuda em escola pública tem nota 12% superior à do negro da mesma rede em Manaus. As duas cidades têm os extremos de notas desse grupo: 521,03 e 463,85, respectivamente.

Salvador
Professores baianos avaliaram as diferenças entre os grupos de alunos como consequência da infraestrutura das escolas, a qualidade do ensino e da própria estrutura familiar dos alunos.

Para a professora de Língua Portuguesa da rede estadual de ensino Zenaide Barbosa Ribeiro, 55 anos, o desempenho dos alunos da rede reflete a queda da qualidade no ensino nos últimos anos. “Na Bahia, a gente tem uma maioria de população negra, e a maioria dos negros está na educação pública. A qualidade da educação vem caindo nos últimos anos. Hoje, 30% dos alunos de graduação se formam sem saber escrever bem, ler ou analisar textos complexos. Se na graduação está assim, imagine no ensino básico”, opinou.

Para ela, a estrutura dos colégios privados também influencia no resultado do exame. “Nas escolas privadas há uma qualidade maior, uma estrutura melhor. Se a pessoa tem um mínimo de condição, ela coloca o seu filho numa escola particular. O que nós temos nas escolas públicas são crianças de baixa renda, jovens que muitas vezes não leem, não são cobrados pelos pais para estudar”, afirma.

Sobre a diferença, dentro da rede pública, entre as notas dos alunos negros e brancos, ela cita a questão econômica. “No colégio onde eu trabalho, o número de brancos que temos é de egressos da rede privada que tiveram problemas financeiros. Então, mesmo estando na escola pública, os pais vão à escola, cobram mais deles”, refletiu.

Docente em escolas da rede privada de Salvador, o professor de Física Marcelo San Geovanni, 37, acredita que há uma falta de motivação generalizada entre alunos e professores na rede estadual.

“Aqui na Bahia, a sensação é de que ninguém está motivado. Os alunos não se mobilizam para buscar algo melhor, os professores se acomodaram no trabalho. Aquela paixão pelo ensino não existe mais nos professores da rede pública. E isso eu ainda vejo nas escolas particulares”, considerou ele, que também vê no contexto econômico o fato mais relevante na disparidade entre alunos brancos e negros. “Aqui em Salvador a classe mais pobre é de maioria negra, é uma questão econômica”, diz.

Ana Maria Rocha, 54, é professora da rede pública há quase 30 anos, e vê o histórico econômico e social dos alunos como o maior influenciador no desempenho no Enem. “A gente sabe que a pessoa de pele escura historicamente foi a mais pobre. Tudo isso influencia, desde a alimentação, o acesso aos livros. Geralmente os pais desses filhos negros já vêm de um histórico econômico e social de falta de acesso a esses elementos”, ressalta.

Para Ana Maria, a política de cotas para estudantes negros de escolas públicas tem tido um papel importante no processo de mudança. “A tendência é a gente ver uma certa melhora. De uma certa forma já há uma minoria que está tendo acesso a faculdades. Mas isso não é solução, porque com o tempo as coisas só vão mudar se houver melhora na educação pública”, ponderou.

 

 

Fonte: Correio24Horas

Share
Tags: Educação