Foto: Grazielle Salgado @eyes.grazi
Geledés – Instituto da Mulher Negra promoveu um evento para discutir a incidência de organizações negras em conferências internacionais, com foco no ano de 2025. O objetivo foi dialogar sobre os avanços dessas organizações nos espaços globais a partir de formações, fruto de uma parceria com a Fundação Ford.
“Tivemos um ciclo de dois anos com formações que tiveram como objetivo fortalecer a atuação das organizações negras no sistema internacional de direitos, especialmente nas Nações Unidas. Nesse período, oferecemos treinamentos vinculados aos principais espaços de deliberação global, com a finalidade de ampliar a capacidade de intervenção política”, afirmou Sueli Carneiro, filósofa e cofundadora de Geledés, durante a abertura do evento.
Para Maíra Junqueira, diretora de programa da Fundação Ford, “ficou evidente o potencial das articulações que os movimentos fizeram a partir das aulas ”. Com uma metodologia híbrida, os conteúdos teóricos foram compartilhados remotamente e, na parte prática, representantes das entidades participaram de atividades que exigiram executar técnicas e táticas aprendidas ao longo do processo.
“Os treinamentos alcançaram o seu propósito. Vocês foram capazes de entrar em campo e se surpreenderam com os resultados que alcançaram”, afirmou Iradj Eghrari, consultor internacional de Geledés, se dirigindo aos participantes do curso.
Como um exemplo dos possíveis êxitos de uma articulação internacional, Leticia Leobet, assessora internacional da instituição, apresentou o Stakeholder Group de Afrodescendentes, mecanismo de participação da sociedade civil na ONU, resultado da atuação de Geledés.
“Esse mecanismo tem como objetivo abrir as portas para a participação da comunidade afrodescendente no âmbito multilateral de uma maneira mais organizada e articulada, de uma forma que seja possível ampliar nossas vozes e organizar a influência dentro do sistema multilateral”, explicou Leticia.
Comissão sobre o Status da Mulher (CSW)
O encontro foi composto por três painéis. O primeiro deles abordou os resultados alcançados na Comissão sobre o Status da Mulher 2025 (CSW69), instância da ONU dedicada à promoção da igualdade de gênero, dos direitos e do empoderamento das mulheres.
Mediada por Sueli Carneiro, a conversa foi composta por Manuela Thamani, diretora executiva do Observatório da Branquitude; Mariane Marçal, assistente de coordenação de projetos e incidência política da ONG Criola; e Carolina Almeida, assessora internacional de Geledés.
Se referindo à 69º conferência da CSW, realizada em março deste ano, em Nova Iorque, Sueli afirmou: “a participação das organizações de mulheres negras nesse espaço possibilitou inserir a pauta racial com mais clareza, reforçando análises que conectam gênero e raça. Porém, o alcance do texto aprovado esse ano não foi o esperado”.
Sobre isso, Mariane Marçal explicou que o texto da conferência anterior continha um parágrafo que reconhecia as mulheres negras como agentes de transformação, algo que não ocorreu neste ano. Isso exigiu um reposicionamento de estratégia, o que foi possível a partir dos aprendizados da formação. “O treinamento ajudou muito nesse lugar de se antecipar, do ponto de vista organizativo, de compreender como funciona o espaço. Foi essencial termos a possibilidade de falar na assembleia geral”, disse Mariana.
Para Manuela Thamani, a formação e a presença na conferência permitiram o aprendizado com pessoas que estão há mais tempo nessa incidência internacional. Ela também ressaltou a importância de agir em coletivo. Carolina Almeida concordou com essa visão e disse que “o mais marcante foi o potencial que a articulação das mulheres negras tem em obter avanços, não só individualmente, mas principalmente em conjunto”.
“Há um enfraquecimento claro dos compromissos multilaterais com justiça racial e de gênero. Portanto, se torna ainda mais urgente que esses aprendizados sejam levados para a CSW70 – se referindo a 2026 – , na expectativa que esse será ainda mais desafiador e exigirá uma articulação estratégica ainda mais refinada da nossa parte”, pontuou.
Fórum Permanente de Afrodescendentes
A mesa seguinte tratou do Fórum Permanente de Afrodescendentes, plataforma consultiva da ONU que visa contribuir para a plena inclusão política, econômica e social de pessoas negras. “O fórum foi importante na mobilização em torno da proclamação da nova década de afrodescentes”, disse o mediador da conversa Iradj Eghrari sobre a 4ª edição do Fórum, realizada em abril desse ano, em Nova Iorque.
A mesa teve participação de Winnie Bueno, consultora de incidência Internacional da ONG Criola; Luciana Viegas, diretora executiva no Instituto Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI); Manuela Thamani, diretora executiva do Observatório da Branquitude; e Gabriel Dantas, assessor internacional de Geledés.
Para Winnie Bueno, o Fórum é uma oportunidade de analisar a realidade concreta das comunidades negras no mundo. “Para o Fórum, o treinamento foi muito importante para entendermos que, nesse caso específico, não se trata só de fazer uma incidência, mas também de comprometer a ONU e os Estados para a permanência desse espaço”, disse, referindo-se a um aumento do conservadorismo internacional e multilateralismo enfraquecido.
Luciana Viegas considerou que a formação permitiu a efetivação de estratégias de negociação e a possibilidade de usar o sistema ONU para dar visibilidade à pauta das pessoas negras com deficiência. “Uma das coisas que observei durante o treinamento foi a importância de estarmos entre organizações negras discutindo concepções e narrativas negras em disputa no campo internacional”, afirmou.
Já Manuela Thamani pontuou sobre o uso de estratégias conjuntas entre organizações negras brasileiras no Forúm. “No próximo ciclo, talvez a gente busque um pouco mais a identidade do Observatório da Branquitude, que, de alguma forma, não se conformar com um espaço da ONU tão embranquecido. É a síntese da branquitude”.
Gabriel Dantas, por sua vez, ressaltou pontos positivos da edição de 2025 do Fórum, como a maior participação da sociedade civil brasileira. Em contrapartida, indicou aspectos negativos, como o cenário de apagamento da pauta afrodescendente. Acerca do treinamento, destacou o fortalecimento da capacidade de reflexão crítica e de uma análise do sistema internacional de proteção de direitos humanos”.
Negociações em Bonn e preparação da COP
A terceira e última mesa abordou as articulações em Bonn, cidade localizada na Alemanha que todo ano acolhe nas instalações da ONU o que é também chamado de pré COP., E também foi discutida a preparação para a COP 30, prevista para ocorrer no Brasil. Em junho desse ano, a conferência de Bonn, foi palco de negociações globais sobre mudanças climáticas, sendo determinante para os debates que ocorrerão na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), em Belém (PA) no mês de novembro.
Participaram da conversa Adriana Avelar, analista de advocacy do Observatório da Branquitude; Victor Oliveira, gerente de projetos da Alma Preta Jornalismo; Leticia Ramos, assistente de coordenação de incidência política da ONG Criola; e Mariana Belmont, assessora sobre clima e racismo ambiental de Geledés.
“A conferência de Bonn tem um marco em 2025. Pela primeira vez, há uma menção explícita nos documentos preparatórios sobre a população afrodescendente. Nossa avaliação é que esse foi um passo importante e significativo para a inserção do recorte racial no debate climático global”, disse a mediadora da mesa, Natália de Sena Carneiro, coordenadora de comunicação institucional de Geledés.
Em sua fala, Mariana Belmont ressaltou a dificuldade de incluir a pauta racial e o tema do racismo ambiental nos debates para a COP30. “As linguagens que dizem respeito a direitos humanos e população vulnerabilizada estão sempre em risco”, disse.
Para Adriana Avelar, “Bonn representou o compromisso em incidir não apenas por justiça, mas implicar as estruturas brancas de poder na degradação do Bem Viver da população negra”. De acordo com a participante, o treinamento fortaleceu a capacidade de compreender e incidir nos espaços globais de forma crítica e coletiva.
Leticia Ramos também destacou a importância da ação conjunta das organizações negras e disse que “ter esse treinamento tem ajudado a traçar uma estratégia de incidência na COP30”. Já Victor Oliveira discorreu acerca do papel da mídia negra nas conferências globais: “nossa função é fortalecer as organizações da sociedade civil negra presentes” .