Geledés na ONU

Financiamento climático: Geledés reúne especialistas para debater o tema

Com enfoque em Financiamento Climático, o Geledés – Instituto da Mulher Negra realizou no dia 4 de junho a quarta e última rodada do Ciclo de Debates Rumo à COP30. Como parte da preparação para a 30ª Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP30), marcada para novembro de 2025 em Belém (PA), os debates anteriores trataram de temas centrais da agenda do Sul Global: adaptação, transição justa e gênero.

Participaram dessa rodada final Davi Bonavides, subchefe da Divisão de Negociação Climática do Ministério das Relações Exteriores; Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS); e Rebecca Thissen, da rede internacional Climate Action Network (CAN). A mediação foi feita por Gabriel Dantas, assessor internacional de Geledés.

Na abertura, Gabriel Dantas destacou o caráter estratégico — e ainda excludente — das discussões sobre financiamento, além de apontar falhas no modelo vigente nos fóruns internacionais. “Enquanto se discute a meta de US$ 1,3 trilhões nas mesas diplomáticas, o que está em jogo é a escolha entre perpetuar uma lógica de caridade e precariedade ou construir um novo pacto global baseado em redistribuição, soberania financeira dos povos e justiça histórica. Se lembrarmos das consequências do tráfico de pessoas escravizadas, que serviu de fonte originária de enriquecimento para diversos países do Norte global, essa discussão ainda ganha mais força, especialmente diante de desigualdades raciais e de gêneros enraizadas nas instituições, sobretudo nas financeiras”, destacou ele.

Dantas cobrou, inclusive, a implementação dos compromissos do Acordo de Paris. “O próprio Acordo de Paris estabelece em seu artigo 2C que os fluxos financeiros globais devem ser compatíveis com uma trajetória de desenvolvimento de baixa emissão e resiliente às mudanças climáticas. No mesmo sentido, o artigo 9 reafirma que os países desenvolvidos devem liderar a mobilização de financiamento climático com recursos novos, adicionais, públicos e prioritariamente em forma de doações, levando em conta as estratégias lideradas pelos países em desenvolvimento e suas vulnerabilidades”. E ressaltou: “Essas previsões, no entanto, ainda estão longe de ser concretizadas. E essa distância entre o texto dos acordos e a realidade dos territórios se traduz em desigualdade, em atraso e em risco cada vez maiores para populações historicamente negligenciadas”.

O assessor internacional de Geledés lembrou ainda que mais de 60% dos ativos globais estão concentrados em instrumentos financeiros especulativos e ressaltou a invisibilidade sistemática dos territórios negros e periféricos nos fluxos financeiros internacionais. “Essa lógica se reproduz, inclusive, nas negociações climáticas. Por isso, reafirmamos a centralidade da responsabilidade dos países desenvolvidos que devem prover financiamento novo e adicional, preferencialmente por meio de doações, instrumentos concessionais e mecanismos não geradores de dívida. Essa é uma demanda histórica dos países do Sul global e precisa ser reiterada com força nas rodadas rumo à COP30”.

Assim como Dantas, Davi Bonavides, articulador do Itamaraty nas negociações climáticas, também sublinhou a baixa quantia destinada à área de clima. “Na COP passada foi adotado esse objetivo coletivo quantificado de financiamento climático, mas, sendo muito transparente, ficou bem aquém do que os países em desenvolvimento esperavam.” A meta de US$ 300 bilhões foi considerada insuficiente, levando à proposta aspiracional de US$ 1,3 trilhão até 2030.

Para Bonavides, o chamado Roadmap Baku-Belém pode indicar um caminho para mudar o panorama atual de financiamento. “Esse talvez vá ser o principal tema nas negociações da COP30.” Ele ressalta que o artigo 2.1(c) do Acordo de Paris deve ser entendido dentro de um conjunto maior. “É impossível tratar de formas de erradicar a pobreza sem considerar que a mudança do clima afeta principalmente as populações mais carentes.”

O diplomata também defende que justiça social e questões raciais estejam no âmago da agenda climática. “Acho que é uma janela de oportunidade para continuar batalhando, continuar o diálogo com outras partes, para que a questão racial seja refletida nesses debates.” Para ele, sem reformas profundas na arquitetura financeira global, os objetivos do acordo climático não serão cumpridos.

Essa análise é reforçada por Maria Netto, do iCS, que argumenta que o verdadeiro desafio do financiamento climático está na equidade do acesso. “Esses recursos públicos concessionados são muito difíceis de acessar, tomam muito tempo para aprovar. Deveriam ser mais flexíveis em termos de condições, mas às vezes são muitos os critérios de cumprimento, o que se torna particularmente difícil para a sociedade civil”.

Maria Netto também apontou o desequilíbrio entre mitigação e adaptação. “Apenas 5% das infraestruturas atingidas pela inundação no Sul do Brasil foram asseguradas. Isso significa o quê? Significa custo econômico na veia, público, privado, de quem estava dependendo dessas infraestruturas. Mas um outro custo que ainda é associado a isso é que depois, na hora de reconstruir, se não precificarmos e dividirmos esse risco, é muito possível que os mesmos erros e as mesmas infraestruturas vão ser construídas de forma errada e, portanto, o problema será perpetuado”, frisou.

E no final destacou que o Brasil tem o maior potencial no mundo de soluções baseadas na natureza. “As soluções baseadas na natureza são 30% do que precisamos fazer para poder chegar à temperatura de 1.5 graus centígrados”, concluiu.

Rebecca Thissen alertou para a urgência de transformar não apenas o volume, mas sobretudo a qualidade do financiamento climático. Para ela, o problema é político, estrutural e profundamente enraizado em desigualdades históricas.

“Estamos olhando especificamente para o financiamento climático, mas é realmente importante conectar os pontos com outros processos e lembrar que a COP não está acontecendo em um vácuo”, disse Thissen. Ela destacou que o atual contexto geopolítico e econômico influencia diretamente a capacidade dos países de cumprir metas ambiciosas de mitigação, adaptação e perdas e danos. “Se não olharmos para a geopolítica atual e o contexto mais amplo, não vamos alcançar os US$ 1,3 trilhões ou qualquer objetivo sobre o qual estamos falando.”

Thissen apontou que “a qualidade das finanças” tem sido negligenciada, com grande parte dos recursos sendo canalizados por meio de empréstimos e instrumentos financeiros inadequados. “O tipo de financiamento é igualmente importante”, frisou.

A nova meta coletiva quantificada de financiamento climático (NCQG, na sigla em inglês), que está em processo de definição, ainda não resolve os problemas herdados. “Saímos de Baku com muitas perguntas. Quem realmente vai ser responsável por entregar esses US$ 300 bilhões?”, questionou, referindo-se à última rodada de negociações antes da COP30. Segundo ela, ainda permanece indefinido qual será o papel real dos bancos multilaterais de desenvolvimento (RDBs) e qual a parcela de financiamento público envolvida. “Falamos muito sobre aumentar o papel desses bancos, mas eles realmente têm que melhorar antes de crescer.”

Ela destacou que o financiamento adequado é uma condição para que outras metas da COP30 avancem, como a meta global de adaptação e a eliminação dos combustíveis fósseis.

Para Thissen, há uma ausência proposital de uma definição clara de “financiamento climático” como obstáculo. “O fato de não haver definição é intencional. Os países desenvolvidos do Norte têm rejeitado essa definição há muitos anos, porque quando não se sabe do que se está falando, você pode fazer o que quiser”, afirmou. Segundo ela, empréstimos em condições de mercado e investimentos privados com lógica extrativista não devem ser considerados financiamento climático legítimo. “Estou falando de um contexto muito específico de obrigações do Norte para o Sul, no contexto de justiça e equidade climática.”

Por fim, a representante do CAN destacou a urgência em se adotar uma convenção da ONU sobre dívidas soberanas, proposta por países do Sul Global e apoiada pelo G77 e a União Africana. “A crise da dívida está fora de controle no Sul Global. Se quisermos criar espaço fiscal para ação climática, precisamos de um pacote sistêmico que reforme como as dívidas são tratadas atualmente”, concluiu.

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