Geledés – Instituto da Mulher Negra é parte do Mecanismo da Sociedade Civil para o Financiamento do Desenvolvimento (FfD), plataforma que reúne organizações e redes do mundo inteiro comprometidas com uma agenda de justiça econômica, transparência e equidade nas negociações globais sobre financiamento para o desenvolvimento.
Nessa segunda-feira, 2 de junho de 2025, esse mecanismo publicou uma carta direcionada aos cofacilitadores do documento final da Quarta Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4), que acontece entre 30 de junho a 3 de julho de 2025, em Sevilha, Espanha. A ideia é exigir maior ambição nas negociações e alertar para o fechamento do processo a observadores e organizações da sociedade civil.
A carta reforça ainda a importância de propostas como a criação de uma Convenção da ONU sobre a Dívida Soberana e a elaboração de um novo marco normativo para a Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, pautado pela reparação histórica e não pela lógica da caridade.
Geledés se soma a essa mobilização internacional, reafirmando que uma agenda verdadeiramente transformadora para o financiamento do desenvolvimento só é possível se estiver alinhada aos princípios da justiça reparatória para africanos e afrodescendentes em todas as diásporas.
A carta está abaixo traduzida e com sua versão em inglês.
Aos cofacilitadores do Documento Final da FfD4 (Representantes Permanentes do México, Noruega, Zâmbia e Nepal)
Cópia para:
Copresidentes e Vice-presidentes do Comitê Preparatório Intergovernamental para a FfD4; Representantes Permanentes e Observadores Permanentes junto às Nações Unidas em Nova York ,
Secretariado das Nações Unidas, Agências e Programas
2 de junho de 2025
Assunto: Sociedade civil insta cofacilitadores da FfD4 a manterem a ambição no texto final da Quarta Conferência sobre Financiamento para o Desenvolvimento (FfD4) antes do procedimento de silêncio
Excelentíssimos(as) Senhores(as),
O Mecanismo da Sociedade Civil para o Financiamento do Desenvolvimento (FfD), uma plataforma aberta composta por várias centenas de organizações, redes e federações da sociedade civil de todo o mundo, tem se envolvido de forma consistente em todo o processo da FfD4, defendendo um documento final verdadeiramente transformador que redesenhe a governança econômica global para promover o multilateralismo democrático sob os auspícios da ONU.
Estamos, portanto, extremamente preocupados com o baixo nível de ambição atual nas negociações, que mantém o status quo, e com o bloqueio contínuo — particularmente por parte de países do Norte Global — à garantia de compromissos multilaterais significativos e exequíveis. Essa situação foi agravada pela decisão dos cofacilitadores de fechar a sessão intersecional desta semana a observadores e conduzir negociações sobre o novo texto a portas fechadas, sem transparência ou participação da sociedade civil. A ambição não se constrói a portas fechadas, e continuamos a nos opor a essas modalidades preocupantes.
É nesse contexto que apelamos aos cofacilitadores que garantam que os últimos resquícios de ambição não sejam eliminados enquanto trabalham na apresentação do texto que será submetido ao “procedimento de silêncio”. Esperamos que as preocupações e demandas dos países do Sul Global — respaldadas pelas contribuições da sociedade civil ao longo do documento — estejam refletidas em todas as decisões que estão sendo tomadas em relação ao texto.
Em particular, esperamos que seja mantido o parágrafo 43.e) alt2, que propõe o estabelecimento de um processo intergovernamental para acordar uma Convenção da ONU sobre Dívida Soberana. A deterioração da situação da dívida nos países do Sul Global ocorre sob um sistema orientado pelos credores, no qual a dívida é mais um instrumento colonial que sustenta o poder econômico e a tomada de decisões nas mãos de poucos. A tão esperada reforma da arquitetura da dívida, por meio de uma convenção juridicamente vinculante da ONU que assegure que todos os países estejam à mesa em pé de igualdade, é, portanto, inegociável para a sociedade civil. As negociações evidenciaram o apelo explícito de muitos países do Sul Global — incluindo a Aliança dos Pequenos Estados Insulares (AOSIS) e o Grupo Africano — por um processo intergovernamental da ONU para acordar essa convenção. Com uma base de apoio tão ampla, a decisão de não manter o parágrafo 43.e) alt2 revelaria um viés claro e inaceitável em favor dos países do Norte Global e da proteção do status quo.
Além disso, esperamos também a manutenção dos parágrafos que fortalecem o mandato normativo das Nações Unidas sobre Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID), iniciando um processo multilateral na ONU para acordar um entendimento comum sobre os parâmetros da AOD (Ajuda Oficial ao Desenvolvimento) e desenvolver um novo marco que assegure equidade, eficácia e responsabilização. Diante do corte nos orçamentos de AOD por países ricos e do recuo em suas responsabilidades — com pouca responsabilização —, enquanto simultaneamente aumentam os gastos com defesa, acreditamos que é mais do que hora de os Estados-membros da ONU desenvolverem um novo marco normativo sobre CID. Isso deve ser acordado na ONU por meio de negociações inclusivas, transparentes e abertas sobre uma convenção juridicamente vinculante sobre CID, a fim de mudar a narrativa que sustenta a AOD de uma perspectiva de caridade para uma de reparações, reconhecendo e enfrentando injustiças históricas.
Negociações a portas fechadas, que excluem observadores e carecem de transparência, são uma prática inaceitável que corre o risco de manchar o legado de todo o processo da FfD e não devem ser usadas como meio de eliminar os compromissos significativos restantes do documento. Optar por apresentar tal projeto de documento final sob o procedimento de silêncio significaria que os co-facilitadores estariam efetivamente cimentando a eliminação de toda ambição antes mesmo do início da conferência da FfD4 em Sevilha.
Reiteramos nosso apelo a todos os Estados-membros da ONU para que negociem de boa-fé e registrem seu apoio a estas propostas centrais, garantindo assim um resultado ousado para a FfD4 — que demonstre que o multilateralismo está vivo e atuante, e que a comunidade internacional está pronta para enfrentar os desafios globais com espírito de equidade, solidariedade e justiça.
Atenciosamente,
Grupo de Coordenação do Mecanismo da Sociedade Civil para o Financiamento do Desenvolvimento
(www.csoforffd.org) O sistema de governança e os procedimentos de trabalho do Mecanismo estão disponíveis no site, juntamente com a lista completa dos membros do Grupo de Coordenação, evidenciando seu escopo, alcance e diversidade.