Geledés na ONU

Geledés na SB62: pela renovação do Plano de Ação de Gênero com justiça racial e interseccionalidade

Geledés – Instituto da Mulher Negra marca presença pela segunda vez consecutiva na 62ª Sessão dos Órgãos Subsidiários da UNFCCC (SB62), em Bonn, Alemanha. Estamos acompanhando de perto os debates sobre transição justa, adaptação, financiamento climático e a agenda de gênero, que vive um momento decisivo neste ano.

Antes mesmo de aterrissarmos em Bonn, elaboramos e compartilhamos com a diplomacia brasileira, organizações da sociedade civil e outros atores relevantes um documento com nossas recomendações e prioridades para a conferência. Essa preparação reflete o compromisso de incidir com conteúdo técnico e político, bem como informar uma agenda concreta da organização para o Estado Brasileiro, em defesa de uma ação climática que reconheça as desigualdades estruturais e promova justiça racial e de gênero.

Um dos marcos da SB62 é o início do processo de renovação do Plano de Ação de Gênero (GAP, em inglês). Este plano é o principal instrumento para operacionalizar o Programa de Trabalho de Gênero da UNFCCC (LWPG), criado para assegurar que as decisões climáticas adotem uma abordagem sensível à igualdade de gênero e garantam a participação plena e significativa de mulheres e meninas na ação climática.

A renovação do GAP é uma das decisões mais importantes para o avanço dos direitos humanos dentro do regime climático. Seu objetivo é provocar uma transformação real nos processos decisórios, promovendo justiça interseccional nas políticas climáticas. No entanto, apesar dos avanços, o plano atual ainda enfrenta sérios desafios de implementação. O relatório mais recente do secretariado de gênero da UNFCCC destacou lacunas significativas relacionadas à ausência de indicadores mensuráveis, falta de financiamento dedicado e baixa capacidade técnica nos países para integrar uma perspectiva de gênero efetiva e interseccional.

Diante disso, Geledés tem  elaborado análises, propondo recomendações e dialogando diretamente com a diplomacia brasileira. Adicionalmente, tem atuado em articulação com organizações de mulheres negras, feministas e antirracistas, com o GT de Gênero do Observatório do Clima, uma das maiores coalizões de organizações que atuam na pauta climática e socioambiental, a ONU Mulheres e outras redes internacionais,. Para nós, além de fortalecer os meios de implementação, é essencial que o novo plano invista em ações robustas de construção de capacidades — tanto para representantes governamentais quanto para sociedade civil.

Isso porque os países partem de contextos, ideologias e níveis de conhecimento muito diversos sobre temas como gênero, raça e interseccionalidade. Promover capacitações, desmistificar conceitos e apresentar evidências sobre como esses marcadores estruturam as vulnerabilidades climáticas é um passo indispensável para que se chegue a consensos mínimos. Sem isso, corre-se o risco de repetir os impasses que já conhecemos e mais do que isso, retroceder nesta agenda, especialmente diante do cenário internacional marcado pela ascensão de discursos ultraconservadores, ataques sistemáticos aos direitos das mulheres e da população negra, e por um processo acelerado de recessão democrática em diversas partes do mundo.

Neste cenário, o Brasil tem desempenhado um papel relevante. Durante a primeira semana da SB62, a embaixadora Vanessa Dolce Faria, Alta Representante para Temas de Gênero do Ministério das Relações Exteriores,  esteve presente, realizando encontros bilaterais com diferentes países e grupos, defendendo uma abordagem interseccional para o novo plano. Sua presença foi estratégica para reforçar o compromisso do país com a inclusão da agenda racial nas decisões climáticas.

Para Geledés, a centralidade do racismo na realidade brasileira exige que o país assuma essa agenda com coragem e protagonismo. A inclusão de mulheres afrodescendentes no GAP não deve ser apenas uma bandeira nacional: deve ser um compromisso internacional. Como já nos ensinou o movimento de mulheres negras brasileiro na Conferência de Durban, em 2001, o racismo é um problema global e precisa de respostas globais.

Durante a primeira semana da SB62, participei dos três dias de workshop oficial sobre gênero, momento preparatório e técnico para a elaboração do novo GAP. Geledés também apresentou contribuições tanto individuais quanto coletivas à plataforma oficial da UNFCCC. No workshop, defendemos a inclusão de ações de formação em interseccionalidade, a desagregação de dados por raça, gênero, etnia, idade, deficiência e território em todas as etapas do plano, o fortalecimento das capacidades institucionais dos países e a vinculação do GAP com outros itens de agenda, como o Objetivo Global de Adaptação (GGA) e o financiamento climático.

Com o início da segunda semana da conferência, as negociações formais começam a tomar forma. Na sexta-feira, 20 de junho, aconteceu a primeira sessão de negociação do novo GAP. A delegação brasileira se posicionou de forma firme e positiva, reconhecendo a importância da participação da sociedade civil, destacando os avanços promovidos pelo workshop e reafirmando a centralidade da inclusão de mulheres e meninas afrodescendentes no GAP.

Esse posicionamento foi reforçado pela delegada da República Democrática do Congo, Angela Ebelek, com quem Geledés já estabeleceu diálogos desde a COP28. Angela foi co-facilitadora do item de gênero na última conferência e participou do evento paralelo organizado por Geledés na SB60, intitulado “Comunidades afrodescendentes: caminhos possíveis para enfrentar a crise climática”.

A manifestação do Brasil em defesa da inclusão da agenda racial no novo Plano de Ação de Gênero representa uma conquista significativa, resultado de anos de pressão por um posicionamento explícito sobre a centralidade do enfrentamento ao racismo nas políticas climáticas. No entanto, como aponta nossa avaliação política, essa vitória marca apenas uma etapa da caminhada. O desafio agora é que o Brasil assuma a responsabilidade de liderar estratégias diplomáticas eficazes para sensibilizar outros países quanto à importância do reconhecimento da população afrodescendente como grupo impactado de forma desproporcional pela crise climática. Em um cenário global onde muitos Estados ainda não compreendem — ou se recusam a reconhecer — a dimensão estrutural do racismo, especialmente em nível internacional, o papel do Brasil se torna ainda mais estratégico. Por isso, nossa luta não se encerra com o reconhecimento simbólico: ela exige ação política, articulação multilateral e compromisso com a justiça racial global.

Nesse sentido, Geledés segue atuando para que o novo GAP proteja os avanços já conquistados e defina ações claras e acionáveis com financiamento adequado, e, acima de tudo, reconheça as especificidades e os saberes das mulheres afrodescendentes como centrais para a justiça climática.

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