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por Silvana Marta no DM
Goiás lidera o ranking de 1.º lugar em intolerância religiosa, segundo pesquisa do Ministério dos Direitos Humanos, MDH, com sede em Brasília. A intolerância contra religiões de raízes africanas segue a tradição histórica contra os povos negros. A demonização da religião é um dos vieses do preconceito observado.
Quem nasce no orixá, é presenteado com um “delogum”, que é um colar de contas de dezesseis fios que representa as cores e os elementos do orixá.
Cada orixá detém um tipo de elemento. Por exemplo: Oyá detém o vento. Exú representa o fogo. Tudo está relacionado à natureza. A cultura relacionada às religiões afro-brasileiras foram demonizadas, numa demonstração clara da associação racista do negro com os espíritos “maus”. Não conhecer a cultura orixá que é datada de pelo menos 8 mil anos, onde há elementos que comprovam que o culto aos orixás já existia no continente africano, e tecer comentários sobre o assunto sem conhecê-lo é no mínimo temerário.
Como é de conhecimento de todos, a África é o berço da civilização e o culto aos orixás existe desde os primórdios da humanidade.
A cultura e religiosidade do Candomblé é monoteísta: O deus é o Olorum, que fez os orixás, que são os tutores dos homens na Terra.
As afirmações são de Mariléia Ferreira da Silva Lasprilla, graduada em administração, com MBA em marketing e vendas. Seu nome sacerdotal é Iyalorisa Marileia Lasprilla de Oxumarê, mãe de santo de religiosidade Candomblé, de cultura Iorubá, nação Ketu. Sua casa é Ilê Nila Bobó Orixá Axé Danferó. Tem mais de 60 filhos iniciados. Também dirige o Movimento Agô, que é um movimento social que foi criado visando a desconstrução do preconceito em relação aos povos e comunidades tradicionais de matriz africana. O combate à intolerância religiosa, ao preconceito religioso se dá através da divulgação dos preceitos religiosos, para que toda a comunidade tenha acesso às informações culturais do Candomblé, resguardando o sagrado.
É forte o racismo contra os praticantes do Candomblé, uma vez que cultuam deuses negros. Entretanto, os povos europeus não dispensam o petróleo nem os diamantes abundantes no continente africano. Contra essas riquezas africanas não há preconceito, mas há guerras por elas e exploração.
Quando criança, sendo seus avós religiosos do Candomblé, ouvia sua vó dizer: “você vai ser mãe de muitos filhos”. Iyalorisa achava que iria ter uns 20 filhos, mas posteriormente entendeu que se referia ao fato de se tornar mãe de santo.
Sobre o sincretismos religioso, Marileia explica que a cultura é de resistência, uma vez que sobreviveu às perseguições impostas pelos senhores de escravos que não admitiam que os escravos negros proferissem a sua religião de origem. Havia um ritual antes do embarque nos navios negreiros que se constituía em uma passagem pela “árvore do esquecimento”. Deste modo, os escravizados eram obrigados a darem várias voltas ao redor de uma árvore como um ritual de esquecimento das famílias que estavam sendo deixadas para trás, seus nomes, suas crenças e a religiosidade. Assim os escravos embarcavam como “nada”, senão como uma mercadoria.
Quando chegavam ao Brasil, nas senzalas, os senhores os proibiam de proferir sua religião. Eles eram obrigados a serem evangelizados no catolicismo. Mas como já tinham a crença de raiz–e essa não se arranca da alma–os escravos associaram cada orixá a um santo católico. Então quando os senhores vinham fiscalizar se os negros estavam cultuando os deuses africanos, eles falavam que estavam cultuando um santo católico.
Lasprilla ensina que o sincretismo religioso está desvinculado na sua crença, mas não há como negar as informações. Também explica que o sincretismo religioso está desvinculado na sua crença, o Candomblé, mas não há como negar as informações. Obviamente esse sincretismo aconteceu porque eles foram encontrando afinidades entre o orixá e o santo católico. Esta foi a primeira estratégia de resistência das religiões africanas: associar cada santo católico a um orixá para poder dar continuidade à sua crença. Por exemplo: São João é Xangô e São Pedro é Ayra. Ewá é Santa Luzia. Nossa Senhora Aparecida é Oxum. Nossa Senhora é uma santa católica negra e é considerada mãe, e a Oxum é um orixá negro e é considerado mãe.
Asprilla salienta que o Candomblé existe apenas no Brasil, apesar de ter raízes africanas. A religiosidade Candomblé é brasileira e surgiu devido ao encontro de crenças de diferentes etnias de escravos que vieram para o Brasil. Cada cidade africana cultua um orixá diferente. Quando vieram para o Brasil, os escravos eram trazidos de várias regiões africanas, vez que como eram tidos como mercadoria, apenas os melhores exemplares de cada espécime eram comercializados. Vieram muitos guerreiros, príncipes e membros de famílias reais africanas, numa seleção valiosa. Assim, várias etnias eram colocadas juntas nos porões dos navios. Aqui chegando, a estratégia era misturar diferentes etnias, de diferentes grupos e dialetos para causar confusão e evitar rebelião. Tribos inimigas eram estrategicamente colocadas juntas, para que não se fortalecessem e não se organizassem contra os seus senhores. Esta foi uma das estratégias de enfraquecimento da cultura africana. Entretanto, os escravos negros se juntaram na fé.
É por isso que os povos e comunidades tradicionais de matriz africana são chamados de “povos de resistência”, pois encontraram várias formas para poder dar seguimento à cultura, crença e religiosidade de seu povo.
Dentro de uma casa de candomblé são cultuados em média 16 orixás, enquanto que na África cada cidade cultua um orixá. O “sagrado” do Candomblé está fundamentado na cultura, através da oralidade, de pai para filho. A cultura é matriarcal, de modo que a origem dos orixás veio da mulher, por ela ser genitora e deter o status de dirigente. Quando os escravos vieram da África, ele vieram sem os filhos. Essas mães que são chamadas de Iyalorixás porque assumiram no Brasil a maternidade dos filhos e pais separados, em solidariedade. Essa é a origem da nomenclatura: “Mãe de Santo”.
O Candomblé é uma cultura que agrega e acolhe. Esse foi o segredo da sobrevivência e resistência.
A partir do momento que uma pessoa se inicia dentro de uma comunidade do Candomblé, ele é chamado de filho. E dentro da comunidade, cada pessoa tem o seu papel. Uma vez cumprido esse papel, não importa o que a pessoa faça do portão para fora. O portão para fora é a vida pessoal de cada um. Isso significa dizer que o Candomblé é inclusivo. “Do portão para dentro de uma casa de Axé você executa sua função”, afirma. “É uma cultura hierárquica e rígida, onde cada comunidade sobrevive através de regras. Há as regras da cultura, da religiosidade e da casa. Quem pratica o Candomblé tem que as adequar a estas regras,” afirma Asprilla.
Há pessoas que já nascem dentro da cultura, o que não significa que outras pessoas não possam ter acesso à religião. O processo de iniciação leva 21 dias de dedicação. Durante esse período o iniciado terá acesso ao conhecimento sobre a cultura, crença, religião, fé, culinária, os atabaques, cantigas e rezas.
Mariléia Ferreira da Silva Lasprilla afirma que o Candomblé é musicalidade, e ele não decepciona, pois segue a tendência dos tambores que se apresentam dentro de outras culturas milenares, como as asiáticas. Candomblé não é apenas uma religião. É uma tradição de povos e comunidades de matrizes africanas, o que significa dizer que é um povo que tem uma linguagem própria (iorubá). Festas se constituem em rituais de alegria. Toda a cultura, língua, culinária vêm da África. A cultura e o sagrado estão bem delimitados no Candomblé.
Outra estratégia de ação é a participação em políticas públicas. Por isso Marileia Ferreira aceitou assumir uma cadeira como Conselheira Titular do Conselho Estadual da Mulher para fortalecer o matriarcado, fortalecer a cultura e trabalhar em prol da cultura do Candomblé junto ao Estado, enquanto organização de poder.
Em pesquisa recente realizada pelo ministério dos Direitos Humanos sobre intolerância religiosa contra povos e comunidades tradicionais de raízes africanas revelou que Goiás ocupa o 1.º lugar, o que demonstra uma tendência à ocupar lugar de destaque quando o assunto é violência.
Marileia termina conclamando a população do Estado de Goiás a fazer uma reflexão a fim de melhorar o trato relativo às diferentes religiões proferidas no Estado, já que acredita que viemos a este mundo para torná-lo cada vez melhor.