O escritor Jeferson Tenório, autor de 'O avesso da pele' — Foto: Márcia Foletto
No começo de junho, Jeferson Tenório, autor do premiado romance “O avesso da pele” (Companhia das Letras), tentou entrar no Instagram e não conseguiu. Recebeu um aviso de que sua conta havia sido desativada e que ele precisaria seguir determinados procedimentos para recuperá-la. Cumpriu as orientações, mas a situação não se resolveu. Uma nova mensagem informou que sua conta havia sido banida por “não se enquadrar nas diretrizes da plataforma”, disse ele ao GLOBO.
O escritor trouxe o caso à tona nesta sexta-feira (22) num vídeo compartilhado em sua nova conta na rede social (@jefersontenoriooficial), criada no fim de junho depois de várias tentativas de contato com a Meta, dona do Instagram, do Facebook e do WhatsApp. A empresa nunca respondeu, diz ele. A conta antiga de Tenório somava mais de 80 mil seguidores. A nova tem pouco mais de 3,2 mil.
Tenório decidiu vir a público depois de saber que outras personalidades progressistas também haviam sido banidas da rede social, como o influenciador comunista Jones Manoel. O perfil da ex-deputada Manuela d’Ávila teve o alcance limitado após posts que relacionavam a adultização de crianças nas redes sociais a práticas da extrema direita. O escritor acredita que o banimento de sua conta teve motivação política. Semanas antes, ele havia publicado na imprensa um texto comparando o ex-presidente Jair Bolsonaro ao americano Donald Trump.
— Não consigo ver qualquer outra motivação para essa injustiça. Estamos nos aproximando das eleições, me parece conveniente que perfis progressistas, mais à esquerda, sofram esse tipo de restrição nas redes sociais — diz o autor, que já saiu do Facebook e do X. — Estou cansado de falar de censura. Mas é importante que fiquemos atentos aos caminhos que as redes sociais estão tomando.
Questionada pelo GLOBO, a Meta não respondeu até a publicação deste texto.
Em nota divulgada à imprensa, os advogados do autor afirmaram que vão “adotar todas as medidas cabíveis para responsabilizar a empresa, uma vez que a exclusão arbitrária reduz drasticamente o alcance do trabalho de Tenório, prejudicando sua atuação como escritor, educador e figura pública”. “Trata-se de uma grave violação à liberdade de expressão e ao direito à comunicação”, diz o texto, publicado na rede social.
Os advogados ressaltaram ainda que a decisão do Instagram “ocorre após uma sequência de ataques, ameaças e episódios de censura que o autor vem sofrendo desde 2021, muitos deles propagados justamente pelas redes sociais da própria Meta”. Em 2021, Tenório foi alvo de mensagens de ódio após escrever sobre um discurso do ex-presidente Lula e o educador Paulo Freire em sua coluna no jornal gaúcho Zero Hora.
No ano seguinte, recebeu, pelo Instagram, ameaças de morte (diziam que ele teria seu “CPF cancelado”) após o anúncio de uma palestra dele numa escola em Salvador (BA). O autor da mensagem, enviada pelo perfil @estudante_anonimo123, reclamava de ter sido obrigado a ler “O avesso da pele”. “Eu prefiro fzr 10 horas de aula de matemática (..) do q ter que ouvir essa militância”, dizia a mensagem. “Eh mlhr vc meter o pé e sair do país. Se nn vc tá fudido irmão”. Tenório registrou boletim de ocorrência e comunicou a escola e a Companhia das Letras. Por não poder garantir a segurança do autor, a escola optou por realizar o encontro virtualmente. Após a palestra, as ameaças continuaram e escritor registrou um novo boletim de ocorrência.
Vencedor do Prêmio Jabuti, “O avesso da pele” narra a trajetória de Henrique, professor negro assassinado por policiais que o tomaram por bandido. O romance é narrado por seu filho, Pedro, que tenta reconstituir a vida do pai, que lutou a vida toda para que a cor de sua pele não determinasse seu destino.
No ano passado, o romance foi censurado em escolas do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Mato Grosso do Sul e de Goiás. Professores, políticos e influenciadores acusaram o livro se ser impróprio a adolescentes por ter cenas de sexo (uma em 192 páginas) e palavras de “baixo calão”. “O avesso da pele” foi incluído no Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) por uma portaria em 2022, no governo Jair Bolsonaro, depois de ter sido selecionado por um edital de 2019. O programa indica obras que podem ser escolhidas por cada escola, mas a adesão não é obrigatória. A Companhia das Letras entrou na Justiça contra as tentativas de censura.