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Livros da Fuvest: ‘Canção para Ninar Menino Grande’ cria fabulação sobre afetos

História de um maquinista de trem narrada por um coro de mulheres com as quais ele se relaciona, “Canção para Ninar Menino Grande” incorpora um dos traços mais marcantes na literatura de Conceição Evaristo: a criação de personagens negros complexos, construídos para além de estereótipos, que enfrentam tanto as opressões do racismo e do patriarcado quanto conflitos íntimos e afetivos.

“Jasmim teve muita sorte com as mulheres que cruzaram os caminhos dele. Elas lhe ofereceram amor ou um inofensivo esquecimento” —trecho de ‘Canção para Ninar Menino Grande’

Lançado em 2018, o livro da autora mineira foi incluído na lista de leituras obrigatórias para o vestibular de 2026 da Fuvest —que, neste ano, só traz escritoras mulheres. A seguir, saiba mais sobre a obra.

Quem é a autora

Expoente da literatura brasileira contemporânea, a romancista, contista e poeta Conceição Evaristo nasceu em 1946 em Belo Horizonte, na antiga favela do Pindura Saia.

Concluiu os estudos regulares aos 25 anos e, antes de se formar em letras pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), trabalhou como babá e empregada doméstica. Sempre recebeu o incentivo da mãe para continuar a estudar. Em 1973, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou em um concurso público para o magistério.

Estreou na literatura em 1990, com contos e poemas publicados na série “Cadernos Negros”, organizada pelo coletivo Quilombhoje. Treze anos depois, saiu seu primeiro romance, “Ponciá Vicêncio”.

Segunda de nove irmãos, Conceição é de uma família formada por mulheres negras, cuja experiência de vida lhe foi transmitida por meio de histórias. É com base nessas histórias orais que ela desenvolve sua obra literária, tendo cunhado o termo “escrevivência” —a escrita das vivências da própria autora e das pessoas com as quais ela convive, que são também reflexo de uma coletividade invisibilizada.

“É uma escritora com uma notável capacidade de fabulação, que remonta à tradição oral dos contadores de história”, descreve Heric José Palos, coordenador de português do curso Etapa. “Suas figuras humanas cativantes transitam entre a crueza do mundo real e a magia própria da ficção.”

Doutora em literatura comparada, Conceição foi eleita para a Academia Mineira de Letras em 2024.

O que é importante saber sobre o livro

Sinopse

A narrativa acompanha o maquinista Fio Jasmim, homem negro e sedutor que se envolve com várias mulheres durante a vida, uma em cada nova parada de trem. Os relacionamentos tomam rumos diferentes, mas sempre com o mesmo desfecho: o abandono, com consequências diversas para cada uma delas.

Gênero textual

“Canção para Ninar Menino Grande” não é um romance, estruturado em começo, meio e fim, segundo explica Paulo César de Carvalho, professor de literatura do canal Partiu Universidade. “Trata-se de uma novela, onde cada capítulo é composto por uma pequena narrativa fechada, mas que, ao final, se interligam e formam o sentido completo da obra.”

Estilo

O livro é fiel à “escrevivência”, conceito com o qual a autora costuma traduzir a sua literatura. A linguagem, poética e sugestiva, explora a sexualidade e a subjetividade masculina com sensibilidade e lirismo, observa Heric Palos. “Ela desafia os limites entre ficção e realidade, dando forma a personagens e situações que, embora possam ter sido baseados em vivências reais, mostram-se permeáveis à fabulação literária”, diz o professor.

Tempo

Para Palos, a ausência de marcações cronológicas precisas confere à história um tom de parábola atemporal, permitindo que a autora apresente tanto temáticas de nosso tempo, como a falta de planejamento familiar, a precariedade da educação sexual e a irresponsabilidade paterna, quanto questões que atravessam a história.

O protagonismo feminino

Embora Fio Jasmim seja o personagem que une todas as outras, o protagonismo é das mulheres que se relacionam com ele. É em torno da personalidade de cada uma delas —Pérola, Juventina, Neide, Angelina, Dalva, Aurora, Eleonora— que surgem os conflitos que dão movimento à narrativa.

O professor Paulo César Carvalho relata uma curiosidade sobre esse ponto: Conceição Evaristo fez várias mudanças entre a primeira e a segunda edição da obra, ampliando a participação das personagens femininas.

A representação masculina

Ao longo da narrativa, fica claro que a masculinidade tóxica de Fio Jasmin é influenciada pela educação machista que recebeu e por traumas não resolvidos, como quando foi impedido de interpretar um príncipe na escola por causa da cor de sua pele. Nesse sentido, “Canção para Ninar Menino Grande” também aborda as expectativas sociais impostas aos homens e a sexualização dos corpos masculinos negros —sem deixar de lado a mesma sexualização dos corpos femininos, aponta Carvalho.

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