Se, de acordo com os dados estampados acima, a porcentagem de famílias monoparentais formadas por uma mulher negra e seus filhos que vive com até US$ 5,50 por dia caiu nos últimos dois anos analisados, é importante destacar que não necessariamente elas passaram a viver com mais. O mesmo levantamento do IBGE mostra que aumentou o número desse mesmo tipo de família vivendo abaixo da linha da extrema pobreza. Conforme os dados, em 2012 eram 19% do total de famílias monoparentais lideradas por uma mulher negra nesse grupo – que vive com até US$ 1,90 por pessoa por dia. Em 2018, esse número chegou a 23%.
Acesso à Renda Mínima Emergencial
A aprovação da Renda Emergencial chega num momento em que ainda não se sabe o tamanho da crise que a pandemia causará no sistema de saúde e na economia, mas evidências de que um cenário caótico se aproxima não faltam. Desde o início de março até aqui, com o aumento diário de registros de internamentos e mortes por coronavírus, a base da pirâmide social tem sido pressionada, e o empresariado já reclama da desaceleração do mercado. A extrema vulnerabilidade é dos trabalhadores informais de baixa renda, que não têm benefícios garantidos por empregadores e vivem com pouco – são, em sua maioria, mulheres. Mesmo aquelas que tinham renda antes da pandemia agora temem não ter como alimentar os filhos.
Não significa que os trabalhadores formais estão a salvo, mas no momento a atenção é para o grupo historicamente mais vulnerável. “Não só os informais, mas todos os mais pobres estão vulneráveis. Os arranjos de trabalho no Brasil são muito precários. Não é porque a pessoa tem um trabalho formal que ela está melhor. Em muitas casas, a renda de todo mundo complementa a renda de todo mundo. É ruim excluir os celetistas mais pobres também”, pondera a pesquisadora Tatiana Roque, defensora da proposta de renda universal e uma das representantes da sociedade civil que estiveram fortemente engajadas na defesa da renda emergencial. À reportagem, afirmou estar recebendo muitas mensagens pelas redes sociais de trabalhadores celetistas que relatam suas dificuldades e perguntam se receberão o auxílio.
Impossibilidade de acumular benefícios
As mulheres que se encaixam no perfil de beneficiárias vão ter acesso ao valor de R$ 1200 desde que não tenham outro tipo de benefício, como o Bolsa Família. Podem optar por suspender um dos benefícios e manter o mais alto durante os três meses em que a renda emergencial será transferida aos cidadãos. Para recebê-lo, precisam estar no Cadastro Único, do Ministério da Cidadania, em que atualmente mulheres já são maioria entre os cadastrados: elas são 41,7 milhões, enquanto os homens são 32,3 milhões. Não significa que todos recebem algum benefício no momento.
A política, mostram os indicadores, é uma conquista social para as mulheres, que têm a presença massiva como cuidadoras, chefes de lares, mesmo quando não chefes de família responsável por prover. Mas na renda emergencial aprovada na crise do coronavírus, elas receberão a renda temporária por serem as chefes provedoras dos arranjos familiares, mesmo que muitas vezes esse lugar não seja de empoderamento, e sim de precariedade. “Quando a mulher tem um filho, dois ou mais e o pai da criança não assume, isso leva a mulher que já está na precariedade a uma condição de maior pobreza, é isso também que chamamos de feminilização da pobreza”, explica o demógrafo José Eustáquio Alves. Para ele, o enfrentamento às desigualdade precisa encontrar um meio termo entre a busca pelo pleno emprego e a assistência social. “Mas nesse momento de uma crise como essa é muito importante que as mulheres mães tenham acesso a essa renda, que sem dúvida é de um valor expressivo para a maioria das beneficiárias”, avalia Alves.
A ala de esquerda da oposição ao governo, que vem refutando medidas de enfrentamento à crise que não atendam aos grupos mais vulneráveis, comemorou a medida, que reflete articulação da sociedade civil e dos partidos a favor da transferência de renda. “É uma grande conquista nesse momento em que o presidente [Jair Bolsonaro] tentou ignorar a crise dizendo às pessoas para saírem às ruas, mas só foi possível porque há um trabalho conjunto sendo realizado na Câmara para enfrentarmos esse momento”, afirmou a deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP). Para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), não seria possível “deixar pra trás” as mães solteiras, e mecanismos como esse que auxiliam a população mais vulnerável “atendem ao Brasil real”, diz. “É também um reforço extra para que a gente possa continuar dizendo que o isolamento é, sim, a melhor política, tanto para a gente preservar vidas, que é o fundamental, mas também para o nosso desenvolvimento econômico”, avalia a deputada.