A jornalista Ana Cristina Rosa é Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública) - Foto: Keiny Andrade/Folhapress
Quem é negro precisa conhecer e seguir desde cedo um verdadeiro manual de sobrevivência antirracista. Não é exagero. A quantidade de recomendações a serem observadas por pretos e pardos na tentativa de preservar as próprias vidas é enorme. Vai vendo:
Quem é negro não pode correr na rua para não parecer que está fugindo. Não pode cobrir a cabeça com capuz para não parecer suspeito. Também não pode entrar em loja com as mãos no bolso para não dar a impressão de que está portando uma arma.
Quem é negro não pode ficar nervoso em caso de abordagem policial para que os agentes não presumam que fez algo de errado ou tem algo a esconder. Não pode sair de casa sem levar um documento de identidade para provar que não é bandido. Também não pode andar “malvestido” para não ser confundido com “mau elemento”. Em geral, negro não pode ostentar riqueza para não levantar suspeição sobre a propriedade do bem.
Quem “ousa” contrariar esses conselhos (que nas famílias negras costumam ser passados de pais para filhos há gerações) pode estar assinando a própria sentença de morte. Afinal, negligenciar esses alertas pode ser (muitas vezes, de fato, é) fatal. Inclusive numa circunstância banal como dar uma corridinha para não perder o ônibus.
Foi o que aconteceu com Guilherme Dias Santos Ferreira, 26 anos, no dia 4 de julho, em SP. O jovem foi morto por um “erro de avaliação” cometido por um policial militar que confundiu o trabalhador negro com um bandido. Guilherme andava apressado para chegar num ponto de ônibus em Parelheiros, no extremo sul da capital paulista, quando foi baleado na cabeça.
Atirar na cabeça é ato que carrega enorme simbolismo e demonstra a intenção de matar. Raros são os casos de sobreviventes após o alvejamento nesta parte do corpo, segundo dados da medicina forense. Cotidianamente, o Estado segue dando demonstrações do fracasso em garantir que pessoas negras usufruam de direitos humanos fundamentais como a vida.