Mulher Negra

Misoginia e racismo nas redes: 56% dos ataques têm mulheres negras como alvo

Qualquer pessoa negra que utiliza redes sociais sabe que muito provavelmente receberá ofensas de todo tipo nos comentários de suas publicações. Os números comprovam: pesquisa que analisou denúncias de racismo e injúria racial no ambiente digital feitas ao Disque 100 —entre janeiro de 2011 e abril de 2025— mostra que, entre os denunciantes que informaram cor, 91% deles eram negros.

A misoginia aliada ao racismo também corre solta: ao cruzar gênero e raça, o estudo aponta que mulheres negras representam 56% de todas as vítimas de denúncias de racismo em ambientes digitais.

As cifras são resultado da pesquisa “Brasil, mostra tua cara: retrato das vítimas de racismo online e o anonimato de seus agressores”, desenvolvida pelo Observatório Racismo nas Redes, do Aláfia Lab. O estudo usou os 1.739 relatos recebidos pelo Disque 100 —canal de denúncias gratuito e sigiloso do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania— nos últimos 14 anos.

Análise da série histórica indica ainda que em 2024 o número de denúncias chegou a 452, o maior volume de registros anuais recebidos pela plataforma desde 2011.

“Olhar para esses dados é fundamental, porque eles nos dão uma visão concreta e nacional do problema. Muitas vezes, o debate sobre racismo online fica restrito a casos pontuais que ganham repercussão na mídia, mas o banco de dados do Disque 100 mostra a dimensão real e cotidiana dessa violência”, diz à Folha Letícia Alcântara, pesquisadora responsável pelo mapeamento e análise dos casos.

Injúria racial e racismo são conceitos jurídicos diferentes. Injúria racial é o crime de ofender individualmente uma pessoa com o uso de palavras depreciativas relacionadas à sua origem étnico-racial. Racismo se refere à discriminação a um coletivo de pessoas. Ambos os delitos estão previstos na lei 14.532 e preveem prisão de dois a cinco anos e multa.

Ainda de acordo com o estudo, dos 91% de denunciantes negros, 66,5% se declararam pretos e 24,5%, pardos. Pessoas brancas representaram 6,8% dos denunciantes, seguidas de indígenas (1,07%) e amarelas (0,6%), que não chegaram a 2% do total. Em um recorte somente de gênero, 61% das denúncias foram feitas por mulheres.

“O estudo confirma que o combate ao crime de racismo não pode ser isolado do combate a outras opressões, como o combate à violência contra a mulher e a proteção de crianças e adolescentes. No caso das mulheres, elas representam a maioria das vítimas, e as agressões se desenvolvem em contextos de constrangimento, exposição, ameaça, coação e tortura psicológica. São crimes praticados contra a integridade dessas pessoas, com natureza psíquica”, afirma a pesquisadora.

“É curioso notar que quase 10% dessas denúncias são classificadas como violência doméstica, o que revela uma extrapolação da violência que ocorre em ambientes privados para o ambiente digital”, assinala. “Essa sobreposição de opressões evidencia a necessidade de compreender o racismo como uma força que atua tanto na esfera pública quanto na privada, estruturando desigualdades cotidianas que afetam de maneira especialmente intensa as mulheres negras.”

No estudo, entre os agressores identificados pelos denunciantes, 70% foram descritos como brancos usuários de redes sociais e 55% do sexo masculino, mas “mais de 60% dos denunciantes não informaram a cor do suspeito”, afirma Alcântara.

O anonimato nas redes é uma característica que dificulta não só a identificação dos agressores como a mensuração total e o combate aos diversos aspectos do racismo online. “Esse quadro revela que esses agressores evitam utilizar uma foto que os identifique, dificultando sua responsabilização. Esse é um dos grandes desafios de combate a crimes que ocorrem em ambientes digitais.”


Denise Mota – Jornalista especializada em diversidade, escreve sobre quem vive às margens nada plácidas do Ipiranga, da América Latina e de outras paragens

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