Geledés na ONU

Negociações de Bonn trazem primeiras menções à população afrodescendente nos documentos oficiais

Acabou a Conferência sobre Mudanças Climáticas de Bonn 2025, conhecida como SB62. Depois de nove dias intensos de negociações e da comida esquisita do bandejão da UNFCCC, começamos a fechar as malas para as próximas tarefas e voltamos para casa.

Na SB62, a inclusão de afrodescendentes como um grupo específico e historicamente marginalizado na tomada de decisões climáticas é uma demanda urgente. Não se trata de retórica: a pauta foi levantada tanto em negociações formais quanto em reuniões bilaterais. Países como o Panamá, no âmbito da Transição Justa, e a República Democrática do Congo, na agenda de gênero, já expressaram apoio explícito. Até mesmo a União Africana sinalizou positivamente, alinhando-se ao seu tema prioritário para 2025: “Justiça Reparadora para Africanos e Afrodescendentes”. Parece óbvio — mas, no teatro da política climática internacional, sempre há aqueles determinados a se ater ao roteiro colonial.

Saímos com uma percepção ainda mais clara: os direitos humanos continuam não interessantes aos países ricos e a muitas organizações da sociedade civil que acompanham a agenda climática. Mais de 30 anos depois da Eco92, as pessoas continuam não sendo a prioridade nas salas de negociação. Mas, aqui na SB62, vimos uma luz pequena no fim do túnel.

É a primeira vez na história da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC que textos, ainda como rascunho, saem das salas com consensos sobre a menção de afrodescendentes. É uma vitória imensa e bonita dos movimentos negros brasileiros, de uma força-tarefa estabelecida como uma missão para a transformação, engajada por Geledés – Instituto da Mulher Negra.

Durante a SB62, o processo de renovação do Plano de Ação de Gênero foi uma das negociações mais importantes dos nove dias. Este plano é o principal instrumento para operacionalizar o Programa de Trabalho de Gênero da UNFCCC (LWPG), criado para assegurar que as decisões climáticas adotem uma abordagem sensível à igualdade de gênero e garantam a participação plena e significativa de mulheres e meninas na ação climática.

E, na quarta, 25/05, o documento base que continuará sendo trabalhado em workshops paralelos e finalizado na COP30, em Belém, saiu, pela primeira vez, mencionando raça e afrodescendentes — ainda que, nos bastidores, a União Europeia tenha vocalizado contra a menção. Foi como um flashback da COP16 sobre Biodiversidade, em Cali, Colômbia: a UE inicialmente resistiu à inclusão de afrodescendentes no texto. A UE planejou repetir a mesma coisa em Bonn, mas usamos o espaço da sociedade civil internacional, o jornal Eco, para vocalizar e pressionar contra o posicionamento.

No Programa de Trabalho sobre Transição Justa, saímos de fato felizes em ver um texto que reflete muito do que a sociedade civil vinha pedindo: desde princípios, uma opção por arranjos institucionais e a menção a afrodescendentes. Uma lista de princípios para garantir os principais direitos humanos, trabalhistas, desempregados, trabalhadores informais, população afrodescendente e participação de trabalhadores, mulheres, jovens e da sociedade civil.

A Transição Justa é uma das temáticas mais novas na convenção, mas extremamente relevante. Ela traz um olhar social que faltava nas discussões sobre mitigação e adaptação climática. Esse movimento de mudanças precisa avançar de modo que os processos dessa transição não aumentem as desigualdades. Seguimos acompanhando os próximos passos para a permanência de afrodescendentes e toda estrutura que nos aponte um caminho na agenda climática por direitos humanos.

A juventude também tem sido protagonista nesse processo. Jovens afrodescendentes estão na linha de frente das mobilizações, trazendo suas vozes e experiências para dentro das negociações e dos espaços internacionais. Na SB62, marcaram presença com articulação política, reforçando que uma ação climática verdadeiramente transformadora precisa ser intergeracional, com a juventude ocupando espaços de decisão e incidência. É essa juventude que vem carregando não só as dores, mas também as soluções construídas a partir de seus territórios, práticas e ancestralidades.

Na agenda de adaptação, especificamente nos Objetivos Globais de Adaptação, o clima foi de total desânimo. Mais uma vez, os países ricos, liderados pela União Europeia, roubaram a cena nas últimas horas de negociação, na pressão para que os meios de implementação fiquem fora da prioridade dos indicadores. Mas, sem implementação, os indicadores se esvaziam. Durante todas as negociações, a América Latina foi vocal em dizer com clareza: adaptação se mede com justiça, com contexto e com meios de implementação à altura do desafio. Voltamos para casa desanimados e com questões urgentes sobre adaptação para dar conta em nível global — e sem tempo a perder.

Outro debate que é fundamental aprofundarmos como próximos passos é a adaptação transformativa, que precisa sair do papel e ganhar centralidade nas negociações. Não se trata apenas de lidar com os impactos do clima, mas de enfrentar as estruturas que produzem vulnerabilidade. Sem mudanças profundas — que incluem justiça racial, social, reparação histórica e protagonismo da população afrodescendente — continuaremos apenas remendando um sistema desigual.

Os últimos dias foram sombreados por uma atmosfera pesada, marcada por guerras e disputas geopolíticas, e a paralisia inicial das negociações climáticas expõe a fragilidade da cooperação internacional. A crise climática não está separada da violência — ela é intensificada por ela. Em tempos como este, construir consensos globais por direitos humanos e justiça racial é uma forma urgente e potente de resistência e resiliência, seja nas salas de negociação em Bonn, seja em nossos países e na chegada da tumultuada e cheia de tarefas COP30, em Belém.

Voltamos marcados pela história, de novo, sem linha de chegada e sem descanso. Na régua e no compasso por justiça racial em todos os espaços, enfrentando o racismo ambiental. É por isso que seguiremos atentos, pressionando, apoiando com recomendações, com a nossa presença. Porque sabemos que, se hoje o mundo fala sobre transição justa, perdas e danos, adaptação e financiamento climático, é porque populações racializadas — incluindo africanos e afrodescendentes — resistiram, construíram soluções e protegem seus territórios.
Vamos seguir esticando a corda por direitos humanos e justiça climática contra o racismo ambiental.

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