Geledés na ONU

“Nossa vulnerabilidade não é natural, é construída. E quem construiu, que se responsabilize por desmontá-la.”

“Diálogos Interraciais para o Desenvolvimento Sustentável: Conectando Gerações e Comunidades”, evento paralelo realizado na sede da ONU em Nova York durante o High‑Level Political Forum 2025, contou na última segunda‑feira, 14 de junho, com a participação de Ester Sena, assessora de Clima e Juventude do Geledés – Instituto da Mulher Negra, que destacou a urgência de ampliar a voz de jovens afrodescendentes nos debates sobre desenvolvimento sustentável.

Veja o discurso completo de Ester Sena:

Boa tarde á todas as pessoas.

É uma grande honra estar aqui hoje, neste espaço de diálogo intergeracional e interracial, representando a juventude afrodescendente e organizações comprometidas com justiça social, como Geledés – Instituto da Mulher Negra, do Brasil. 

Neste contexto de revisão dos compromissos da Agenda 2030, precisamos afirmar com urgência que não há desenvolvimento sustentável sem justiça racial. E, sobretudo, sem a escuta e protagonismo das juventudes afrodescendentes que foram historicamente silenciadas.

No Brasil e na América Latina, jovens afrodescendentes enfrentam obstáculos estruturais para acessar educação de qualidade, empregos dignos, representação política e até o direito ao território e ao meio ambiente saudável. Esses desafios não são individuais: são resultado de um sistema que ainda se apoia no racismo sistêmico, na desigualdade de gênero e no colonialismo.

Falo aqui em nome das múltiplas juventudes afrodescendentes: meninas, mulheres, meninos, homens, vozes periféricas, urbanas, rurais, quilombolas, dentre muitas. Mas especialmente a partir da minha atuação no Geledés – Instituto da Mulher Negra, uma organização que há mais de três décadas denúncia, propõe e transforma, tendo como centro as vidas de mulheres e juventudes afrodescendentes.

E é preciso dizer com todas as letras: não há futuro possível sem justiça racial e social. 

Não estamos mais aceitando convites para “ocupar espaços” onde nossa presença é simbólica, protocolar ou folclórica. Queremos e exigimos poder real de decisão, recursos, território, e reparação. Porque sustentabilidade sem reparação é green washing para um sistema que continua matando, controlando e explorando os mesmos corpos de sempre.

Se hoje falamos de juventude afrodescendente, é porque sobrevivemos. Sobrevivemos a genocídios silenciosos e políticas de Estado que nunca nos quiseram vivos, organizados e conscientes. E mesmo assim, nos organizamos, resistimos e construímos saídas coletivas em nossos territórios, nas comunidades, nas escolas e nas redes.

Queremos que a juventude afrodescendente seja ouvida como sujeito político autônomo – não como “categoria vulnerável”. Nossa vulnerabilidade não é natural, é construída. E quem construiu, que se responsabilize por desmontá-la.

Como juventude afrodescendente latino-americana, queremos mais do que inclusão: queremos poder de decisão, acesso a recursos, reconhecimento de saberes e reparação histórica.

Por isso, quero destacar alguns pontos-chave que precisamos reforçar neste debate:

  1. Participação real e vinculante: juventudes afrodescendentes precisam ser ouvidas não só como vozes simbólicas, mas como formuladoras de propostas viáveis que sejam ao final aprovadas pelos Estados. Nossa participação deve ser garantida nos espaços institucionais da ONU, dos Estados e da sociedade civil organizada.
  2. Educação antirracista e emancipatória: fortalecer o acesso à educação crítica, que reconheça nossas histórias, nossos saberes ancestrais e nosso papel na construção do futuro.
  3. Memória e legado de resistência: quando falamos de solidariedade intergeracional, falamos também de honrar as lutas das nossas ancestrais e aprender com elas. Estamos aqui porque outras mulheres afrodescendentes, jovens e meninas, abriram caminhos antes de nós. Devemos ampliar essa porta de entrada para que mais pessoas racializadas possam integrar esses espaços.

Finalizo com um chamado: que esta agenda seja mais do que este evento. Porque o futuro que queremos não é apenas sustentável – ele é antirracista, feminista, intergeracional e construído com as mãos e vozes de quem por muito tempo foi deixado de fora.

Muito obrigada.

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