Um letreiro da 29ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, tendo ao fundo a paisagem urbana de Baku, capital do Azerbaijão, em 31 de outubro de 2024. — Foto: REUTERS/Aziz Karimov
As organizações indígenas e quilombolas da Amazônia vêm, por meio desta nota, expressar seu repúdio ao discurso do governador Helder Barbalho, proferido durante a abertura do estande da Confederação Nacional da Indústria (CNI) na COP-29, em Baku, Azerbaijão. A fala do governador, ao afirmar que os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos dependeriam do mercado de carbono para garantir seu sustento e dignidade, demonstra uma visão preconceituosa e desinformada sobre a realidade dos povos tradicionais. O governador ignorou, em sua fala, o fato de que nossas comunidades vivem, manejam e preservam a floresta há milênios, utilizando a biodiversidade, a água e a terra para garantir sustento com autonomia e abundância.
Os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos do Pará e da Amazônia têm um modo de vida que não depende de projetos de mercado de carbono ou de subsídios governamentais para sobreviver. Nossa alimentação saudável, baseada em conhecimentos tradicionais, é fruto do trabalho cuidadoso com os recursos naturais, livres de contaminações químicas e de mercúrio. Além disso, nossos povos contribuem de forma plural para a sociedade, com representantes que são escritores, médicos, advogados, professores, cientistas e parlamentares, promovendo nossa cultura e saberes para além dos limites das comunidades. A “bioeconomia” que o governador propõe vender como uma novidade ao mercado global é, na verdade, um modo de vida que praticamos há gerações.
A fala do governador reforça uma visão reducionista e colonialista sobre nossas comunidades, tratando-nos como se fôssemos meros dependentes de políticas de governo, ao invés de reconhecer nossa autonomia, saberes e práticas sustentáveis. O mercado de carbono, ao contrário do que foi afirmado, não pode ser imposto como única solução de desenvolvimento para as comunidades tradicionais, sem que haja consulta prévia, livre e informada, em respeito à Convenção 169 da OIT. As comunidades e povos precisam continuar mantendo sua autonomia na gestão de seus territórios, pois é isso que tem garantido um futuro sustentável com respeito à biodiversidade existente na Amazônia. A imposição de tais projetos, sem diálogo e sem respeito aos direitos constitucionais das comunidades, desrespeita nossa história, nossa luta por autonomia e coloca em risco o direito ao território das futuras gerações.
Acrescentamos ainda que o crédito de carbono, na modalidade REDD+, representa a comercialização da natureza, um processo financiado por empresas e governos estrangeiros que, assim, continuarão a lançar gás carbônico na atmosfera. Trata-se de comercializar a natureza para garantir a continuidade de lucros. Com seu apoio a essa iniciativa, o governador do Pará se dispõe a servir aos interesses do capital internacional, desconsiderando os direitos e a autonomia dos povos amazônicos.
Defendemos o direito à autodeterminação de nossas terras e afirmamos que não aceitaremos ser usados como justificativa para projetos de governo que não considerem nossa voz e nosso modo de vida. Reafirmamos que as decisões sobre nossos territórios devem ser construídas em conjunto com nossas comunidades, respeitando nossos conhecimentos e modos de subsistência, que há séculos garantem a conservação dos nossos territórios na Amazônia.
Exigimos que o governador Helder Barbalho e o Governo do Estado do Pará respeitem o direito de consulta e o protagonismo das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas na formulação de políticas e projetos que afetem diretamente nossas vidas e territórios. Que cessem as falas coloniais e as soluções impostas sem diálogo e respeito aos nossos direitos, e que sejam reconhecidos os saberes e práticas que já sustentam a Amazônia e garantem a vida em harmonia com a floresta.