Mulher Negra

Para Maria Sylvia, lutar por reparação é disputar o orçamento público


Aos 33 anos de idade, quando se tornou estagiária de Direito em Geledés – Instituto da Mulher Negra, Maria Sylvia Oliveira sentia os impactos do racismo em sua vida. Mas foi a partir da atuação no movimento de mulheres negras que ela obteve a formação racial necessária para compreender o problema de maneira mais ampla. Hoje, aos 65 anos, é diretora executiva da organização e mestre em Ciências Humanas. 

“No movimento de mulheres eu aprendi tudo que eu sei hoje sobre questões de gênero e raça. E a partir daí, consegui elaborar, inclusive, uma série de coisas que aconteceram comigo, que eu sabia que a cor de pele estava envolvida, mas não tinha letramento suficiente para uma real compreensão”, conta. 

Maria Sylvia participou de maneira ativa do planejamento da Marcha das Mulheres Negras, que ocupou Brasília no dia 18 de novembro de 2015. Chegou a organizar locais para as ativistas dormirem na capital federal, além de ajudar a planejar a ida de 60 promotoras legais populares.

Enquanto se mobilizava junto a outras diversas ativistas para fazer a Marcha acontecer,  Maria Sylvia não imaginava o tamanho daquele feito. “Antes, sempre fica aquela dúvida, aquela angústia: ‘será que vai dar certo?’. Mas, depois que acontece, conseguimos dimensionar o que fizemos”, relata. 

A advogada, no entanto, não pôde comparecer à manifestação, pois no mesmo dia teve que participar da votação ao Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, na qual concorria em uma chapa. 

Olhando para a Marcha de 2025, a ativista afirma que o movimento reflete a reivindicação por um novo pacto civilizatório, em que mulheres negras estejam em espaços de poder e decisão. Além disso, ressalta a necessidade de “disputar o orçamento público” para as demandas que atendam a população negra. “Se quisermos ter qualquer perspectiva de melhora da vida da população negra, temos que lutar por orçamento público”. 

Sobre isso, explica que: “não há como pensar no empoderamento econômico da população negra e, sobretudo, das mulheres negras, que é uma discussão que Geledés vem fazendo na esfera internacional, sem buscar formas de melhorar emprego e renda no Brasil. E isso é política de Estado. E, para isso, é necessário orçamento”.

Maria Sylvia pontua ainda que, por mais que tenhamos avanços significativos na luta por emancipação das mulheres negras, as reações contrárias também são fortes. Menciona que em 2022, por exemplo, houve um aumento importante de mulheres negras eleitas na Câmara dos Deputados  – apesar do número ser aquém do desejado. No entanto em 2024, o Congresso Nacional aprovou a anistia aos partidos que descumpriram as cotas de gênero e reduziram de 50% para 30% os recursos que os partidos devem aplicar nas candidaturas de negros. “Isso dá conta do quanto a gente ainda precisa avançar para que as mulheres negras estejam realmente nos espaços de poder e decisão”, diz. 

Outro caso emblemático relembrado durante a entrevista foi a campanha por uma ministra negra no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2023, que concluiu com o presidente Lula (PT) indicando mais um homem branco ao cargo. “Apesar de termos um governo dito progressista, não conseguimos colocar uma mulher negra em altas instâncias jurídicas”. 

Diante desse contexto, a diretora executiva de Geledés destaca a necessidade de marchar. “A importância de fazermos essa Marcha 10 anos depois é denunciar e buscar que o Estado atenda as nossas reivindicações. Porque, por mais que tenhamos tido conquistas importantes, os indicadores de iniquidade na vida das mulheres negras permanecem quase que inalterados”, afirma.

Em relação aos motes da Marcha de Mulheres Negras (Reparação e Bem Viver), considera que o primeiro equivale à inserir de fato a população negra no orçamento público e criar políticas públicas efetivas de longo prazo. Já sobre o bem viver, afirma que pode ser entendido de diferentes formas, mas que diz respeito ao mínimo para se viver bem, com educação, saúde, moradia e transporte de qualidade. 

Por fim, a ativista se diz ansiosa para participar da Marcha e feliz com a participação da juventude na mobilização. “Quero crer que a gente consiga realmente pressionar o Estado brasileiro para redefinir as políticas públicas em relação à população negra e às mulheres negras”, pontua. 

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A conversa com Maria Sylvia estreia a série de entrevistas “Mulheres Negras em Marcha”, que vai dialogar com ativistas do movimento de mulheres negras de diferentes gerações e regiões do país, a fim de pautar a 2ª Marcha Nacional de Mulheres Negras, que acontecerá no dia 25 de novembro, em Brasília. As entrevistadas vão relatar suas trajetórias de luta, seu engajamento nas marchas e os motivos que as fazem marchar cotidianamente. 

A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver trata-se de uma continuação do movimento que aconteceu em 2015 e reuniu milhares de militantes em Brasília: a Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver. Uma década depois, o movimento de mulheres negras pretende reunir 1 milhão de marchantes na capital do país a fim de reivindicar um novo pacto civilizatório.

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