(Foto: Lucíola Pompeu)
1964 + 50
Histórias de pessoas de carne e osso – e também de personagens de papel – que viveram na roda viva da ditadura militar. Novos episódios toda quinta-feira.
(Episódio 14)
Por: Fernanda Pompeu ilustração: Fernando Carvall
Não havia nenhuma chance de um mal-entendido quanto ao local e horário. No 31 de outubro de 1975, toda São Paulo estava sabendo que na Catedral da Sé, o católico Dom Paulo Evaristo Arns, o rabino Henry Sobel e o pastor James Wrigth celebrariam uma missa em memória do jornalista Vladimir Herzog. Na verdade, o ato era bem mais. Estar na Praça da Sé naquele cair de tarde significava afrontar a ditadura militar.
Dentro da Catedral, ouvia-se um desagravo em nome de Herzog. Menos de uma semana antes, o jornalista da TV Cultura foi morto sob tortura no Doi-Codi da rua Tutoia – uma seção do inferno no bairro do Paraíso. Seus algozes tentaram vender a versão de que o preso havia se suicidado dentro da cela. Só que ninguém acreditou.
Onze anos depois dos militares terem roubado o poder em nome de um Brasil mais seguro, ordeiro, ovelha, muita gente já estava de saco cheio. Pelas promessas não cumpridas e pela violência contra os opositores. Violência tão desproporcional quando é – hoje, 2014 – a do exército de Israel contra os civis da Faixa de Gaza.
Antes de Vladimir Herzog, vários haviam sido torturados. Entre eles se somavam os mortos e desparecidos. Em razão disso, perto de oito mil pessoas se concentravam na Catedral e na Praça da Sé. No meio deles, ela. Com um olho na História e outro no relógio.
A aluna marcara o encontro com o professor em torno do Marco Zero – bem no centro da praça. Ele garantiu que compareceria, pois o país não podia seguir do jeito que estava. Mesmo quando a missa terminou, quando as pessoas começaram a ir embora, ela ainda esperou. Mas ele não apareceu.
No dia seguinte se encontraram na sala de aula. Lá estava o professor falando da Revolução Russa, entusiasmado com os bolcheviques e suas ações. Ele sorriu várias vezes para ela. Ela retribuiu com um olhar triste. Estava decepcionada. De alguma forma, a garota pressentia que o namorico dos dois tinha terminado.
Fonte:Nota de Roda Pé