Projetos em Andamento

‘Queremos prosperar’: especialistas apontam caminhos para autonomia econômica de mulheres negras

Geledés – Instituto da Mulher Negra realizou, na última segunda-feira (28), o diálogo “Empoderamento Econômico das Mulheres Negras – contribuições para o Bem Viver”. Especialistas foram convidadas para painéis sobre os desafios e caminhos para a autonomia econômica deste grupo. 

Na mesma ocasião, foi lançado o livro “População Negra e Trabalho Digno: avanços e continuidades no mercado de trabalho brasileiro”, que reúne recomendações de políticas públicas voltadas à inserção plena das mulheres negras na economia. 

A obra é uma realização de Geledés com apoio da Laudes Foundation, gerenciada pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.  A pesquisa faz uma revisão sistemática dos principais boletins, relatórios e estudos – publicados entre 2018 e 2022 – que abordam a conexão entre trabalho digno, população negra e mulheres negras no Brasil. O objetivo é reafirmar a defesa por condições profissionais mais coerentes com o potencial e a necessidade desta comunidade. 

Na abertura do evento, Suelaine Carneiro, Coordenadora de Educação e Pesquisa do instituto, afirmou: “o tema do empoderamento econômico é um agenda que Geledés tem atuado desde 2023, principalmente pelo programa internacional, realizando diálogos e apresentando proposições às políticas públicas junto aos bancos nacionais e multilaterais de desenvolvimento, além de recomendações para ações efetivas por parte dos governos em âmbito global”. 

Suelaine Carneiro, Coordenadora de Educação e Pesquisa – Foto: Grazielle Salgado

Desafios para a emancipação econômica

O encontro foi dividido em duas etapas. A primeira mesa, intitulada  “Mulheres Negras e Trabalho Digno: desafios para a emancipação econômica” contou com a presença de Anatalina Lourenço, chefe da Assessoria de participação social e diversidade do Ministério do Trabalho e Emprego; Carolina Almeida , assessora internacional de Geledés; Cecília Bizerra, gerente de projetos na Secretaria Especial de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República; Kenia Cardoso, coordenadora de nova economia e desenvolvimento territorial da Fundação Tide Setúbal; e Juliana Gonçalves, jornalista e ativista da Marcha das Mulheres Negras de São Paulo. 

A mediação foi feita por Adriana Sousa, professora doutora em educação pela Universidade de São Paulo e responsável pela elaboração da pesquisa lançada no mesmo dia.

A mediação foi feita por Adriana Sousa – Foto: Grazielle Salgado

Durante sua fala, Adriana destacou os principais cenários obtidos em pesquisas que envolvem população negra e trabalho: a existência de desigualdade salarial, empreendedorismo e precarização, mulheres negras como maioria na categoria de empregadas domésticas e falta de dados raciais ao olhar para profissionais liberais.

Pontuou também sobre as recomendações feitas no livro, propostas que visam avançar em  direitos. Uma delas, por exemplo, diz respeito ao fomento e ampliação de políticas públicas para a inserção de profissionais negras em vagas do serviço público. “É necessário ampliar o escopo das políticas públicas para além do acesso, investindo em permanência, mobilidade e valorização dos conhecimentos da população negra”, afirmou Adriana. 

Anatalina Lourenço, por sua vez, abordou iniciativas criadas no âmbito do Ministério do Trabalho, como a Lei de Igualdade Salarial, sancionada em julho de 2023, com o intuito de  estabelecer critérios remuneratórios para uma retribuição financeira mais equânime entre mulheres e homens. “A Lei pede um recorte racial e é isso que a gente entende como um avanço”. 

Olho: Segundo os resultados do Relatório de Igualdade Racial, no primeiro semestre de 2024, as mulheres negras ganhavam em média R$ 2.498,13. A média para os homens brancos, entretanto, foi de R$ 4.958,52. 

Entre as exigências da regulamentação está o Relatório de Transparência Salarial, que deve ser publicado por empresas com mais de 100 funcionários. É preciso compartilhar dados de salário por cargo, raça e gênero. 

Ao encontro da fala de Anatalina, Cecília Bizerra listou exemplos de políticas públicas que visam o trabalho digno, como a PEC das Domésticas, as cotas para ingresso nas universidades federais e a Política Nacional de Cuidados. Além disso, mencionou a importância de pesquisas para aumentar o conhecimento da realidade. “São esses dados [sobre trabalho e população negra] que vão nos trazer base para formular e brigar por políticas públicas”. 

Carolina Almeida, que participou de forma online, compartilhou como a incidência política de Geledés tem trabalhado o tema na esfera internacional. “Ao longo do nosso trabalho, nos inquietou muito o fato de que, quando conseguimos inserir o tema racial nesses fóruns políticos de alto nível, a discussão geralmente fica localizada de forma reduzida em temas primários, associados com a nossa sobrevivência. Isso nos demonstrou como ainda continuamos tentando sobreviver a essa arquitetura racista da institucionalidade brasileira”, disse. 

E acrescentou: “além de sobreviver e acessar nossos direitos básicos, que são garantidos constitucionalmente, nós queremos prosperar. E, se foi a população afrodescendente quem construiu com as próprias mãos todo capital estrutural de riqueza desse país, entendemos que a promoção do desenvolvimento econômico que garante o empoderamento econômico da população negra é, também, uma medida de reparação histórica primordial”. 

Ao abordar ações relacionadas ao trabalho digno em locais periféricos, a convidada Kenia Cardoso afirmou: “pensar em inclusão produtiva das mulheres negras têm, necessariamente, a ver com o desenvolvimento de territórios empobrecidos historicamente”. Disse ainda que pensar o desenvolvimento desses territórios é uma forma de reparação histórica. 

Juliana Gonçalves chamou atenção para o tema do empoderamento econômico pautado no manifesto da 10ª Marcha de Mulheres Negras de São Paulo, que aconteceu no dia 25 de julho. O documento reivindica o trabalho digno, o fim da escala 6×1 e rejeita a ideia do empreendedorismo com saída individual para questões coletivas. 

“A sociedade aplaude o empoderamento feminino, mas silencia quando a mulher preta está desde às 5h da manhã atravessando a cidade para limpar o chão de alguém. Empoderamento sem estrutura é só cobrança travestida de liberdade. Empoderamento sem direito é só um festim político”, afirmou a jornalista. 

Financiamento para autonomia das mulheres negras

A segunda mesa de debate foi mediada por Suelaine Carneiro e contou com as convidadas Aline Odara, diretora executiva do Fundo Agbara; Dayana Souza, coordenadora financeira do Labora, do Fundo Brasil de Direitos Humanos; e Mariana Almeida, diretora executiva da Fundação Tide Setúbal. 

Aline Odara contou sua experiência na condução do Agbara, primeiro fundo filantrópico para mulheres negras do Brasil. Entre as frentes de atuação da organização está o fomento à iniciativas com lideranças negras, com aportes financeiros e programas de formação. 

“O que temos acumulado de entendimento nesses cinco anos de atuação é abordar o empreendedorismo sempre de maneira lúcida e não como uma saída naturalizada de inclusão econômica. Sabemos que isso é uma ferramenta para desonerar o Estado da responsabilidade de criar políticas públicas, garantir a inserção formal, proteção social e distribuição de renda”, disse. 

Dayana Souza, por sua vez, falou sobre o Labora – Fundo de Apoio ao Trabalho Digno, operado pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos, que visa fortalecer a organização autônoma de trabalhadoras. “Apoiamos o trabalho digno com justiça racial, de gênero e climática por entender que alcançar essas lutas é uma premissa fundamental para superar as profundas desigualdades que marcam a estrutura social e econômica do Brasil”, explicou. 

Mariana Almeida apresentou o Programa de Lideranças Negras e Oportunidades de Acesso, da Fundação Tide Setubal, focado em ampliar a participação de pessoas negras em espaços de decisão e poder. O projeto tem sua atuação baseada nos seguintes resultados: lideranças negras mais preparadas e fortalecidas; instituições de ensino, empresariais e governamentais mais inclusivas em relação à equidade racial e participação do investimento social privado na promoção da equidade racial. “[Devemos] usar o financiamento como mecanismo de transformação”, pontuou.

Fotos: Grazielle Salgado

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