Ao olhar na periferia, vemos que ali estão os pretos e pardos. Numa construção, os serventes e pedreiros são negros, assim como as faxineiras. Claro que o Brasil evoluiu um pouco, já temos muitos negros na universidade, muitas cotas oferecidas (por mais que a USP se negue a participar), temos o PROUNI, o FIES, mas também temos o Senado querendo aprovar a PEC 171 para reduzir a maioridade penal. Quem perde com a diminuição da idade penal são os “neguinhos da quebrada”. Nossos presídios estão lotados de negros.
Lembro de quando estava na 5ª série (atualmente, 6º ano) e meu apelido era “Poodle”, pois meu cabelo não era do padrão de beleza estabelecido. Recordo-me que todos os empregos que minha mãe obteve foram como empregada doméstica. E foi assim, com o suor e a batalha, limpando tantos banheiros, que ela criou meu irmão e eu.
Quanta vezes presenciei amigos serem abordados dentro de bares, padarias ou até mesmo na rua, simplesmente por serem negros e nossos amigos brancos, nunca. A desculpa era de que estavam em “atitude suspeita”. Mas estávamos juntos fazendo as mesmas coisas.
Ao olhar para minha sala de aula na faculdade vejo que sou uma das poucas negras (na verdade, minha sala, que tem 50 alunos, tem apenas dois negros) e sou a única negra bolsista. Isso não é novidade dentro de uma universidade reconhecida como a minha.
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Hoje estou com 26 anos, sou casada e tenho uma linda filha, a Isabella, que mesmo com 5 anos sabe bem o que é ser uma menina negra. Sempre ouço (até de nossos próprios parentes): “Nossa, criança, que cabelo é esse?”, ou “Quando ela crescer pode fazer uma [escova] progressiva!”, ou, ainda, “Tinha que puxar justo o seu cabelo e o seu nariz?”. Sim, nosso nariz batatinha também sofre na nossa sociedade preconceituosa. Mas me enche de orgulho de ouvir ela sempre dizer:
“Amo meus cachos, são iguais aos da minha mãe!”
Claro que isso não é nada perto de tantos negros que já foram presos, espancados, mortos. Meu relato não chega perto de tantas mães que viram seus filhos saírem de casa sem nunca mais voltar. Ou daqueles que percebem as pessoas que atravessam a rua com medo, puxando suas bolsas, porque um negro está ali. E te olham com nojo.
Certa vez ouvi que o dia 20 de Novembro não era uma data que deveria ser comemorada, afinal todos nós temos Consciência Negra. Me indignei com isso, pois se TODOS NÓS realmente tivéssemos essa consciência, esse meu texto não precisaria ser escrito, não haveria tantos jovens negros assassinados.
No dia 13 de Maio de 1888 a lei Áurea foi assinada. Mas a verdadeira Abolição ainda não aconteceu. Gostaria muito de dizer que a escravidão se foi há 127 anos, mas apenas posso dizer que ela continua de uma forma mais camuflada — e igualmente cruel.