Vítima de racismo, professora vai expor artigo sobre funk nos EUA
Moradora da região do Campo Limpo, em São Paulo, a professora Jaqueline Conceição da Silva, 28, foi convidada para ir à Universidade Columbia, nos Estados Unidos. Tudo por causa de seu artigo sobre questões de gênero no universo do funk, que foi aceito para uma conferência em setembro. A docente ganhou a atenção porque seu trabalho acadêmico cita a cantora Valesca Popuzuda.
Por Lucas Rodrigues, do UOL Educação
“A proposta do trabalho era refletir a dualidade da questão da mulher dentro do funk. Se há uma emancipação ou se ele reproduz o machismo de nossa sociedade”, conta Jaqueline, que dá aula de literatura para o ensino médio de uma escola estadual em Paraisópolis.
O interesse pelo funk veio da sua observação dos seus vizinhos lá do Capão Redondo — em sua maioria, fãs do pancadão. Ela fez mestrado em educação sobre juventude na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).
Jaqueline sempre estudou em escola pública. Sua mãe, que trabalhava de doméstica em um bairro de classe média, conseguiu colocá-la numa boa escola da região. Lá, a garota conheceu o preconceito.
“Eu era uma das poucas alunas negras e sofri preconceito por parte dos professores e dos colegas”, conta. “Uma professora na terceira série me chamava de ‘neguinha fedida’ e dizia que apesar de eu ser negra, eu era inteligente.”
Nessa fase da vida, ela diz que tinha vergonha da cor da sua pele. “Fui entender o que era ser negra ouvindo Racionais na adolescência. Eles me ajudaram a entender tudo o que estava acontecendo à minha volta”. O pai era alcoólatra e Jaqueline perdeu cerca de 15 amigos assassinados. “Eles iam morrendo, a gente ia enterrando e a revolta ia crescendo.”
Perguntada sobre o que acha do som da cantora Valesca Popozuda, Jaqueline acredita que ela é um destaque por discutir no funk a temática da homossexualidade e pela forma agressiva com que propõe que a mulher se aproprie do próprio corpo.
“Mesmo construindo um discurso de emancipação, ela tem seios fartos, bumbum grande e é loira”, analisa. “Por mais que queiramos dizer que somos contra o machismo, essa foi a formação que nos foi imposta.”
A repercussão de seu trabalho por causa de Valesca não foi uma surpresa. “Na sociedade que a gente vive, do agora, achei tudo normal. O importante é que trouxe um debate que não tinha antes, ou que era marginalizado, sobre o caráter formativo do funk.”
No artigo, Jaqueline fez uma análise sobre 21 letras de funk, dentre elas canções de Valesca Popozuda, dos MCs Catra, Beyoncé e Guime, entre outros. A ideia pelo tema veio da observação da juventude nas ruas do bairro Capão Redondo.
Como não tinha condições financeiras para arcar com os custos da viagem, a docente resolveu fazer uma <“vaquinha online”, que já arrecadou quase de R$ 3 mil devido à repercussão. A história chegou até os ouvidos de Valesca. “Ela se propôs a pagar metade da viagem, mas desde então não conversamos”, conta. “Falamos bem rapidamente pelo Twitter uma única vez.”
O interesse da funkeira em ajudar afugentou outros doadores. “Com a Valesca rendeu um pouco mais, mas muita gente desistiu. Começaram a achar que ela já tinha pago tudo.”
O artigo “Só mina cruel: Algumas reflexões sobre gênero e cultura afirmativa no universo juvenil do funk” foi apresentado em um congresso sobre mulher na Unesp (Universidade Estadual Paulista) de Marília, interior de São Paulo. Após algumas modificações, a professora mandou o trabalho para ser aceito na conferência “Herbert Marcuse and the Legacy of One-Dimensional Man”.
O evento acontece no dia 29 de setembro em Nova York, em comemoração aos 50 anos do livro “Ideologia da Sociedade Industrial – O Homem Unidimensional” do sociólogo Herbert Marcuse.