Muçulmanos e judeus assinam manifesto contra Bolsonaro

Dez grupos das duas comunidades publicaram carta conjunta em que associam a candidatura do presidenciável à volta do fascismo no Brasil

Por Ana Paula Machado, do Exame 

Protesto contra o candidato Jair Bolsonaro em São Paulo (Alexandre Schneider/Reuters)

Grupos muçulmanos e judeus assinaram juntos um manifesto contra a candidatura do presidenciável, Jair Bolsonaro (PSL).

10 grupos das comunidades que representam cerca de 9 mil pessoas publicaram uma nota em oposição à candidatura.

“Nós, muçulmanos e judeus, que conhecemos os horrores da islamofobia e do antissemitismo, temos a sensibilidade aguçada para perceber que, entre todas as barbaridades proferidas por este candidato, a mais emblemática, por atingir vários segmentos, foi a de que as minorias devem se curvar à maioria”, diz a nota.

Para uma das idealizadoras do manifesto, a muçulmana Regina Márcia Oliveira de Faria, o Brasil corre um sério risco de ter uma ideologia fascista com a vitória de Jair Bolsonaro.

“Não tem como ficar calada diante da possibilidade de um fascista ser eleito. Não vamos desistir. As mulheres não foram ás ruas á toa. E caso o candidato vença as eleições, vamos continuar lutando. Esse movimento não é de temporada”, disse Regina a EXAME.

Na nota em conjunto, judeus e muçulmanos reforçam que o movimento irá se manter mesmo depois da definição do novo presidente do Brasil.

“Nossa bandeira comum, como muçulmanos e judeus é barrar toda forma de violência, de preconceito e qualquer outro elemento que dê base ao projeto fascista desse homem e de seus seguidores. Nossa luta é perene, enquanto existirem nesse país sementes de fascismo, lá estaremos para tornar esse solo cada vez mais impermeável a esta ideologia.”

Divisão

A campanha de Bolsonaro fez gestos de apoio ao estado de Israel e se aproximou de setores da comunidade judaica, incluindo empresários como Fabio Wajngarten e Meyer Nigri, fundador da Tecnisa.

Em abril do ano passado, Bolsonaro participou de um evento no Clube Hebraica do Rio de Janeiro em que proferiu a frase sobre quilombolas que lhe rendeu uma acusação de racismo, depois arquivada pelo Supremo Tribunal Federal.

Parte da comunidade se uniu em rejeição ao candidato. Um grupo de judeus esteve com faixas no protesto do #EleNão no Largo da Batata em São Paulo, e o grupo “Judeus Contra Bolsonaro” conta com mais de 5 mil membros no Facebook.

JUDEUS E MUÇULMANOS UNIDOS: FASCISMO NÃO!

A cultura de tolerância religiosa é recente no Brasil. Nas raízes de nossa formação, encontra-se o massacre cultural imposto aos povos indígenas e africanos, obrigados a renunciar a suas crenças originárias e aceitar o poder dos senhores, aliados à estrutura da Igreja Católica. Com a tolerância advinda em meados do século passado, a partir do Concílio Vaticano II, uma nova onda de intolerância religiosa ganha ímpeto com o fanatismo de parte dos evangélicos neopentecostais, tendo como principais alvos as religiões de matriz africana.

Mesmo com os avanços legais que tornaram o Brasil um dos países mais avançados na criminalização do racismo e da discriminação religiosa, permanece em boa parte da sociedade brasileira o sentimento abafado do segregacionismo excludente. Na onda de ódio fomentada no país, nos últimos anos, a resistência cultural-religiosa desses povos passou a incomodar os setores de extrema direita, que passaram a ameaçar novamente a imposição de restrições às religiões não-cristãs, e a disseminar o medo.

Esse comportamento de uma parte da sociedade abre caminho ao cenário da ameaça fascista, solo fértil às hostilidades de raça, gênero e todas as demais discriminações sociais, hoje personificadas na figura de Jair Bolsonaro. Seu discurso deixa claro o intento de subjugar as minorias.

Os discursos de ódio, ironicamente, têm se aproveitado da liberdade de expressão, que não tem proteção contra a livre circulação de ideários fascistas.

Nós, muçulmanos e judeus, que conhecemos os horrores da islamofobia e do antissemitismo, temos a sensibilidade aguçada para perceber que, entre todas as barbaridades proferidas por este candidato, a mais emblemática, por atingir vários segmentos, foi a de que as minorias devem se curvar à maioria. Essa frase ecoa fundo no coração daqueles que sofrem diariamente a brutalidade do preconceito e da não aceitação, contrariando a nossa Constituição, que nos garante o direito de vivermos em um Estado Laico. As minorias religiosas se sentem ameaçadas em seus direitos à prática de seus cultos, e até mesmo, nas suas existências.

O discurso de ódio fomentou a união de muitos subsetores existentes nas mesmas minorias, e nos une contra o inimigo comum. Manifestamos o nosso mais profundo repúdio a todas as formas de intolerância que possam comprometer o convívio salutar dos cidadãos com todas as suas diferenças, sejam religiosas, de gênero, de cor ou de ideologia política. Ressaltamos que nossa luta não se restringe apenas à figura pessoal do candidato, mas a tudo que ele representa e todos os que reproduzem o seu discurso.

Nossa bandeira comum, como muçulmanos e judeus é barrar toda forma de violência, de preconceito e qualquer outro elemento que dê base ao projeto fascista desse homem e de seus seguidores.

Muçulmanos e judeus vão permanecer unidos depois das eleições de 2018. Nossa luta é perene, enquanto existirem nesse país sementes de fascismo, lá estaremos para tornar esse solo cada vez mais impermeável a esta ideologia.

ASSINAM ESTA NOTA PÚBLICA:

MUÇULMANOS CONTRA BOLSONARO

COLETIVO MUÇULMANAS E MUÇULMANOS CONTRA O GOLPE

MESQUITA SUMAYYAH BINT KHAYYAT – COMUNIDADE MUÇULMANA DE EMBU DAS ARTES-SP

MUÇULMANAS EM MANIFESTO CONTRA O FASCISMO

JUDEUS CONTRA BOLSONARO

FRENTE JUDAICA PARA OS DIREITOS HUMANOS

ARTICULAÇÃO JUDAICA

MERETZ BRASIL

MOVIMENTO DEA MULHERES “ME DÊ A SUA MÃO”

FORUM DE JUDEUS SIONISTAS-SOCIALISTAS PRÓ-PALESTINA”

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

para lembrar

‘Partidos precisam ouvir movimentos sociais’, diz filósofa Djamila Ribeiro; leia entrevista

Mestre em filosofia faz palestra gratuita em Brasília nesta...

Horário eleitoral deve ser proporcional para candidatos negros, propõe FGV ao TSE

Dividir o tempo do horário eleitoral (TV e rádio)...

Amapá, Urgente! Garimpeiros invadem aldeia Waiãpi e matam indígena

 Conflito pode levar a um banho de sangue Do  Xapuri “Eles...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=