Cabelo: Quanto mais cheio, melhor

Alisar ou deixar crespo? O que antes gerava uma discussão quase racial, hoje, é simplesmente uma mera escolha

Fonte: O Estado de S.Paulo

– Nos anos 70, o black power carapinha e redondo, adotado pela ativista negra Angela Davis, era componente forte de sua personalidade e tinha uma conotação mais política do que estética. Da militância negra para o pop, o cabelo armado coroou os irmãos do grupo musical Jackson Five e, hoje, modelos, atrizes e cantoras resgatam o look, como a atriz Halle Berry, a cantora Macy Gray (atualmente com o cabelo liso e curtinho) e a baixista acústica Esperanza Sparling. Por aqui, só para citar alguns exemplos, as cantoras Elza Soares e Negra Li lançam moda e desfilam cheias de charme com seus blacks.

 

Com um corpinho de dar inveja, pernas à la Tina Turner (o truque é uma meia finíssima de seda cor da pele) e cabelão black vermelho arrepiado, a cantora Elza Soares lança moda entre as mais jovens. O figurino é moderno, assim como o cabelo e a maquiagem. Ela se cuida muito, mas lembra que o DNA também ajuda. Falando ao telefone com a reportagem no começo da tarde de um sábado, conta que, na véspera, tinha participado do evento cultural Viradão Carioca. O segredo de tanta vitalidade? “Além da alimentação, tenho um personal há anos, desde a época em que malhar não estava em evidência como agora.” Quanto ao black power, a co-autoria do look é do produtor Gringo Cardia:

 

– Por ocasião do lançamento do CD Do Cóccix até o Pescoço, em 2002, estava em Londres quando vi numa vitrine uma calça boca-de-sino e uma peruca black power, visual igual ao que usava em 70. Gringo, que também estava lá, disse que eu devia retomar o cabelo, e foi assim que voltei ao black bem selvagem.

 

Para dar volume, usa megahair, tintura vermelha e, quando acha que o cabelo está danificado pela química, raspa tudo para que volte a crescer com força. Assume o consumismo quando o assunto é beleza: “Não posso ver um creme, cara! Quando vou para Londres, Itália, Paris, encontro muitos produtos para pele e cabelos negros.”

 

Basta dar um giro pelo Google para conferir os looks da cantora Negra Li. Já usou tranças, depois, em 2007, desfilou irreconhecível com cabelos longos e ondulados – como as cantoras norte-americanas do hip-hop – e nos dias atuais investe no black power. “Gosto de variar. Quando alisei e tingi de mel, curti muito. O liso é o desejo de muitas mulheres, negras ou brancas.”

 

Mas engana-se quem pensa que o black power, a cargo do profissional Wagner Moraes, não dá trabalho: “Além do corte, que deve ser feito de maneira certa, é preciso alguns cuidados. Como meus cabelos são muito finos e os fios se quebram com facilidade, lavo duas vezes por semana. Uso um creme sem enxágue e passo um gel, que o deixa jeitoso por até dois dias.” Para enfeitar e variar o penteado, a cantora usa e abusa dos grampos. Mudar de cor, por enquanto, nem pensar. Grávida, a cantora quer dar um tempo da química contida nas colorações.

 

Com as madeixas literalmente incandescentes, Deborah Rissato, que atua na área de atendimento ao cliente, chama atenção por onde passa. Estilosa, a ruiva de cabelo encaracolado e volumoso conta que já chegou a usá-lo comprido, até a cintura. Na contramão dos fios escorridos, não pensa em mudanças: “Acho que o liso não cai bem para o meu formato de rosto, que é fino.” O único “drama” é o corte, que, segundo ela, requer habilidade, pois não pode ser geométrico, mas sim acompanhando o movimento dos fios.

 

Deborah lava a cabeça todos os dias com xampu sem sal, passa condicionador, musse para ativar os cachos e usa um difusor na secagem, que ajuda a modelar. Vaidosa assumida, não sai de casa sem maquiagem. Blush, delineador e sombras, que vão do verde ao prata, não faltam em sua nécessaire.

 

Conciliar vida pessoal e a imagem profissional é um desafio para quem trabalha na frente das câmeras, como lembra Adriana Couto, uma das apresentadoras do Jornal da Cultura. Com olhos grandes, sorriso largo e um black bem comportado, em tons de caramelo claro, conta que já experimentou vários looks. Avessa a patrulhamentos, lembra que o cabelo étnico alisado – por vezes alvo de críticas – nada mais é do que uma conquista da mulher negra: “Quero ter a liberdade de escolher o liso ou o crespo!”, comenta, apontando o leque de possibilidades que a estética moderna oferece nos salões e prateleiras.

 

Adriana já cortou o cabelo bem curtinho, no estilo da cantora Grace Jones. Depois usou tranças, o que exigia manutenção de dois em dois meses. “Hoje faço permanente afro com a especialista Solange Dias. Como meus cabelos são bem crespos, o tratamento dá movimento aos cachos.” Consumista assumida, mescla produtos nacionais e importados, como xampus, cremes, ativador de cachos e musse.

 

A designer de joias e cantora carioca Yara Figueiredo conta que, desde menina, dormia de touca para alisar os cachos: “Quando chovia, encrespava na frente, era um desastre.” Se isso causava algum tipo de complexo? “Imagine só: não tinha peito, não tinha bunda, usava óculos e o cabelo não era liso. Até que uma amiga europeia, que assumia o crespo numa boa, virou uma referência na minha vida. Devia colocar um busto dessa mulher lá em casa! Depois que percebi que era escrava da escova e de uma mentira, me libertei.”

 

Hoje, adepta do extravolume, economiza tempo e dinheiro: “Lavo o cabelo com um xampu de R$ 6,00, seco com difusor, passo um leave in e estou pronta.” Segundo Yara, o uso de química e outros procedimentos para alisar o cabelo acabam danificando os fios e, o pior, padroniza as mulheres: “Parece um exército de alisadas. Ficou uma coisa muito suburbana, dá para ver que não é natural”, alfineta.

 

Para mudar o visual, costuma usar flores naturais ou de crochê, e joias delicadas de design. Vaidosa, adora se produzir: “Fiz uma apresentação de 45 dias no Líbano e não repeti uma só vez os cabelos e a maquiagem. Gosto de me montar, acho que é uma celebração à vida. Sou o travesti que deu certo”, diz, aos risos.

 

Além do estilo, o que leva muitas mulheres a assumirem os cachos é a praticidade, como fala a professora de inglês Alessandra dos Santos Francisco, que, dos 10 anos aos atuais 34, passou química nos cabelos para tê-los lisos. “De três em três meses, religiosamente, tinha de ir ao salão para fazer um tratamento conhecido como desondulação. Como o cabelo era comprido, tingido e com mechas, gastava muito com produtos específicos. Optei por cortar, e o processo todo, do liso ao natural, durou cinco meses”, conta.

 

Hoje, feliz da vida, acorda, toma banho e, no máximo, passa um silicone nos fios, ajeitando-os com as mãos. “Antes levava 45 minutos só para arrumar o cabelo, hoje, gasto uns cinco.” Para mudar o look, abusa das flores e faixas.

Matéria original: Quanto mais cheio melhor

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