O crime de Sharpeville: Imperioso lembrar para jamais repetir, ou imitar

Por: Eloi Ferreira de Araujo

 

eloi

Hoje é um dia especial para a cultura negra. Há exatos 51 anos, 69 crianças, mulheres e homens negros foram assassinados em praça pública pelo exército sul-africano no bairro de Sharpeville, na cidade de Johannesburgo. Motivo: terem saído às ruas, pacificamente, para reivindicar a extinção da Lei do Passe, que os obrigava a portar cartões de identificação com o registro dos locais por onde lhes era permitido circular.

O crime do regime do Apartheid da África do Sul ficou conhecido como O Massacre de Sharpeville. E motivou a instituição do Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial, pela Organização das Nações Unidas (ONU). Uma data que o Brasil, a maior Diáspora Africana do continente americano, tem razões, infelizmente, para relembrar.

O Governo Brasileiro, em articulação com a sociedade civil organizada, tem dado passos largos para desestabilizar a mentalidade que constrói tragédias como a de Sharpeville. As políticas de ações afirmativas, que elevaram consideravelmente o número de negros e negras nas universidades públicas; e a sanção do Estatuto da Igualdade Racial, marco histórico para a construção da igualdade de oportunidades entre negros e não-negros, são dois dos mais recentes passos da política de inclusão para o acesso aos bens econômicos e culturais do País.

Mas ainda há muito a enfrentar.

Uma rápida análise do noticiário é suficiente para identificar manifestações de racismo na sociedade brasileira. Em 13 de janeiro deste ano, por exemplo, os seguranças de um supermercado em São Paulo foram acusados de apreender, ilegalmente, uma criança de 10 anos, sob acusação de furto e gritos de “negrinho sujo e fedido”. Depois de submeter o garoto a humilhações, os seguranças encontraram em seu bolso o ticket que comprovava que ele pagara pelos objetos sob suspeita…

No Carnaval baiano deste ano, mais um indicativo de discriminação. O líder da banda de pagode Psirico acusou um empresário, em plena Avenida, sob as luzes das câmeras de TV, de tê-lo chamado de “preto” e “favelado”. Os casos ganharam destaque nos veículos de comunicação de massa, mas são apenas dois exemplos, dentre diversos outros registrados em notas de rodapé ou em Boletins de Ocorrência Policial.

O caldo de cultura que baseia tais ataques à identidade de descendentes de africanos está, sem sombra de dúvida, entrelaçado com o perfil dominante das mortes violentas no País, que vitimam, em sua maioria, jovens negros, segundo estudos sobre violência urbana da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). O mesmo caldo que motivou o assassinato dos jovens sul-africanos.

E os brasileiros têm consciência da força simbólica do racismo. Não foi à toa que festejaram a eleição do presidente Barack Obama nos Estados Unidos da América. Um negro no comando da mais poderosa nação do mundo emite simbolismo oposto ao que guia as mãos e as vozes que agridem a identidade dos negros e negras no Brasil e no mundo.

Não foi à toa também que, das conversas com a presidenta Dilma Rousseff, tenha constado a agenda da cultura negra. Para além dos resultados imediatos da discussão sobre o Plano de Ação Conjunta Brasil-Estados Unidos para a Eliminação da Discriminação Étnico-racial e Promoção da Igualdade, que norteou a pauta sobre o assunto, há os efeitos simbólicos da visita em si de Barack Obama sobre a identidade negra no Brasil.

Efeitos previsivelmente positivos. Um dos muitos que, esperamos, serão gerados em 2011, instituído pela ONU como o Ano Mundial dos Afrodescendentes.

* Artigo de Eloi Ferreira de Araujo, presidente da Fundação Cultural Palmares, publicado originalmente no Correio Braziliense, sob título “O crime de Sharpeville”.

 

Fonte: Palmares

+ sobre o tema

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Presidente de Portugal diz que país tem que ‘pagar custos’ de escravidão e crimes coloniais

O presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, disse na...

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na...

Desigualdade ambiental em São Paulo: direito ao verde não é para todos

O novo Mapa da Desigualdade de São Paulo faz...

para lembrar

Governo Bolsonaro: por que decisão de estabelecer ‘monitoramento’ de ONGs pode parar no STF

Entidades do terceiro setor veem ilegalidade em nova atribuição...

Enem 2009: presidente do Inep fala sobre simulado

Reynaldo Fernandes, presidente do...

Daldice Santana é promovida desembargadora do TRF-3

A juíza federal Daldice Maria Santana de Almeida foi...

Saracura Vai-Vai luta por memória negra no metrô e museu no Bixiga

Não dá para escavar lugares de fundamentos (religiosos), sem...

Foi a mobilização intensa da sociedade que manteve Brazão na prisão

Poucos episódios escancararam tanto a política fluminense quanto a votação na Câmara dos Deputados que selou a permanência na prisão de Chiquinho Brazão por suspeita do...

MG lidera novamente a ‘lista suja’ do trabalho análogo à escravidão

Minas Gerais lidera o ranking de empregadores inseridos na “Lista Suja” do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A relação, atualizada na última sexta-feira...

Conselho de direitos humanos aciona ONU por aumento de movimentos neonazistas no Brasil

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), órgão vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, acionou a ONU (Organização das Nações Unidas) para fazer um alerta...
-+=