Notas de Rodapé – A dona do baile

por Fernanda Pompeu

As palavras se parecem com as pessoas. Elas têm enredos, humores, vontades, segredos. Como nós, elas são sujeitos de desejos. Querem ser livres, autônomas, articuladas, valorizadas. Elas lutam pela oportunidade de uma frase. Até sonham em aparecer mais de uma vez em um parágrafo. E, é claro, mesmo que não o declarem, adorariam ser a palavra final.

As palavras, como as pessoas, não escapam de sua época. Elas envelhecem, descem do pódio, são esquecidas. Como acontece com os profissionais, se aposentam ou são aposentadas. E o mais duro: são substituídas. Daí rodoviária vira terminal de ônibus, aviador vira piloto, aluna vira educanda, reclame vira propaganda, mesa de bar vira facebook.

As palavras, depois de um tempo de ostracismo ou exílio, voltam. São reabilitadas ou anistiadas. Seja nos nomes de bebês: Joaquim, Teresa, José, Adolfo, Antônia. Seja no linguajar da garotada: bárbaro, bizarro, bacana. Também há as que nunca saem de moda: amor, morte, festa, poder, nascimento, egoísmo, solidariedade.

As palavras, muitas delas, vêm de terras estrangeiras. Desembarcam com valises cheias de novidades. Algumas não se aclimatam e retornam para o lugar de origem. Outras se dão tão bem que viram verbos: empoderar, deletar, customizar, frilar, surfar, brifar, glamourizar, engajar, flanar, flertar, twittear, internetar.

As palavras sofrem sanções penais. São mandadas para presídios, alguns de segurança máxima. Basta conferir o index prohibitorum dos manuais de redação. Entre as interditadas, lá estão: esposo, esquife, passamento, sepulcro, toalete, lepra, tarado, do lar, vulgo, entanto, entrementes, outrossim.

As palavras quando se juntam formando expressões ficam altamente vulneráveis. Quanto mais usadas, mais condenadas. Logo são carimbadas como chavões: pôr a mão na massa, abrir com chave de ouro, luz no fim do túnel, no fundo do poço, na aurora da vida, no apagar das luzes, nascer em berço de ouro, página virada do meu folhetim.

As palavras faladas têm voz própria. Para existirem, elas não dependem dos gramáticos, filólogos, corretores da fuvest, jornalistas, escritores. Estão por aí, na boca do pipoqueiro, da costureira, do pedreiro, do gari. Estão nas canções, nos gritos dos feirantes, nos protestos dos indignados, nas gírias de amor e de ódio.

As palavras escritas têm assinatura própria. Estão certas ou erradas? São clichês ou inovações? Fáceis ou raras? Agradáveis ou inconvenientes? Poéticas ou burocráticas? Do gueto ou de todos? Isso depende do leitor. A emoção que ele sente é que dará a justa resposta. O leitor é o eleitor da língua.

As palavras se parecem com as pessoas. Não são fugazes nem eternas. Cada uma comunica suas histórias, seus sentidos, seus caminhos. Uma não é melhor do que a outra. São únicas. As palavras são bailarinas esperando que a gente toque a música para elas dançarem.

fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.

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